domingo, novembro 28, 2010

COMPARAÇÕES


No ano em que me casei, no Rio, 1968, apesar do AI-5, da repressão, da ditadura sombria, a vida no Brasil era mais agradável que hoje. Para nós, jornalistas, estávamos no fogo do golpe militar de 64. Mas nós nos sentíamos mais vivos com as ameaças dos nossos inimigos, nos sentíamos requestados na nossa profissão miserável. Éramos gente. E éramos levados tão a sério que nos censuraram, nos prendiam, nos torturavam e muitas vezes nos matavam.


Mas nossa vidinha fútil ganhou nova dimensão, e vibrante, quando nos perseguiam. Havia, claro, a humilhação de gente bronca e subletrada (estou usando eufemismos) poder dispor de nós como roupa suja. Porém, era compensada pela imensa superioridade moral que sentíamos em relação a eles. Agora, com o começo do fim do lulismo, difícil prever o que vem aí. O continuísmo? Então é ir para Pasárgada...

DOMICÍLIO



Posso estar dizendo o óbvio, mas defini a mulher como nosso primeiro domicílio. E posso até acrescentar: com direito à casa e à comida. E mais: quando saímos dessa primeira morada, por ter expirado o prazo de nossa permanência com todas as mordomias, ainda continuamos a ser alimentados, por um bom período.


Na privilegiada condição de antigos locatários da morada que nos abrigou, eu me lembro de minha mãe, sempre linda enquanto respirou. E me lembro da quadra famosa de Bastos Tigre, que todos aprendemos desde as cavernas:


Eu vi minha mãe rezando

Aos pés da Virgem Maria

Era uma santa escutando

O que outra santa dizia.


VELHICE


Sim, sim, com tantos cabelos brancos, com tanta vivência acumulada, já estou em condições de dar razão a Oscar Wilde, na serenidade objetiva desta conclusão: “A tragédia da velhice é que continuamos a ser moços.”

GUERRA


Se fossem os jovens que declarassem as guerras, mandando os velhos para as frentes de combate, é bem possível que não houvesse guerras. E como não é assim, são os velhos que sobrevivem, e os jovens que morrem. No Vietnã, foram 8 milhões. Na Coréia, 3 milhões. Meus Deus, quanto desperdício para nada.

SONATA


Pela internet, dou-me ao luxo de ouvir a Sonata ao Luar (Sonata Op. 27 n. 2) de mestre Beethoven, ao som do violão do espanhol Andrés Segovia (Linares, 1893-Madri, 1987) considerado o quase completamente perfeito na guitarra em todos os tempos e em todo o mundo. Ele enobreceu o violão e por 80 anos ninguém fez nada parecido. E sobre Beethoven, ninguém escreveu em música nada à altura, sequer, dos seus últimos quartetos. Mas tenho também Bach por Segovia. Só que fico com Beethoven, e mais ainda com sua sonata, tão bela quanto imortal. Acho até que o dia do Juízo Final terá essa música como pano de fundo.

SARTRE


Ele expressava a grandeza da França. Numa deliciosa crônica de Nélson Rodrigues, ele conta que Sartre veio ao Brasil e foi a uma festa de grã-finos, quando perguntou: “E os negros? Onde estão os negros? Só vejo brancos e brancas”. Uma grã-fina de narinas de cadáver, conforme Nélson, respondeu: “Devem estar por aí assaltando algum motorista de táxi”.


Escritor e jornalista, Jean-Paul Sartre (1905-1980) premiado com o Nobel, não o aceitou. Justificou que não queria que sua obra fosse julgada. Era invocado e excelente jornalista, e é perigoso ser um excelente jornalista. Nasceu e morreu em Paris.

CONSELHO

Na folha de rosto do meu livro Quase (Edições Livro Técnico, 2004), digo o seguinte: “A experiência de vida me autoriza a aconselhar. Quando você quiser saber algo que ignora, não pergunte aos sábios ou aos amigos geniais. Pergunte aos livros. Os sábios e os amigos geniais, depois de interrogados, podem dar notícia, não de sua curiosidade, mas de sua ignorância. Com os livros é diferente. Ensinam e ficam calados”.

Hoje, não pergunto nada a ninguém. Pergunto ao Google, que também ensina e fica bem caladinho.

EMPREGO


Conta Swift, nas Viagens de Gulliver, que os aspirantes a empregos públicos, no país dos pigmeus, tinham de se equilibrar numa corda, dando saltos: ganhava o cargo quem pulasse mais alto, sem cair.


E se adotássemos esse processo no Brasil, principalmente no Congresso Nacional, agora no governo da Dilma? Em vez do pistolão, ou de acordos partidários com Temer ou Sarney pelo meio, nem sempre suficientemente fortes e decisivos com a sucessora de Lula, o equilíbrio circense na corda bomba, com o pulo correspondente, ganharia sucesso popular na hora.


A competição teria ainda o valor de um torneio esportivo: o equilibrista, por ser equilibrista, já teria meio caminho andado na carreira política, filiando-se imediatamente ao PT...

MORTE TOTAL


Sou dos que acreditam piamente que a morte é a extinção total da existência. Na verdade, é no que acredito intelectualmente. Mas, quando criança, falavam em toneladas de religião, e me assustavam horrores com a possibilidade de ir para o inferno (nesse tempo, Brasília ainda não era, como é para muitos conhecidos e desconhecidos privilegiados de mil mensalões e dólares na cueca, o paraíso que é hoje).


Sim, sim, qualquer primeiranista de filosofia aniquila os melhores argumentos teológicos, sem falar de astrônomos, biólogos e outros bichos. Mas a impressão emocional que se tem, em criança (qual o adulto que não tem dentro de si a criança que foi um dia?), fica para sempre. Se houver outra vida e eu tiver alguma mobilidade, prometo levar o meu ectoplasma para Brasília e infernizar essa canaille.

sábado, novembro 20, 2010

A ARTE DE NÃO LER


Às vezes, fico a pensar: seria bom comprar os livros se púdéssemos comprar também o tempo para lê-los (no momento, leio mais uma vez os dois volumes de Solo de Clarineta, as memórias de Érico Veríssimo), mas em geral se confunde a compra de livros com a apropriação de seu conteúdo. E não é bem assim.


Esperar que alguém tenha retido tudo que já leu é como esperar que carregue consigo o que já comeu. Penso o seguinte: aquele que lê muito e quase o dia inteiro perde paulatinamente a capacidade de pensar por conta própria, como quem sempre anda de carro acaba esquecendo como se anda a pé.


É o caso de muitos leitores: leram até ficar estúpidos.

DEU DE OMBROS


Falam que, consultada sobre o fim da reeleição em troca de um mandato de cinco anos, Dilma não disse não nem sim. Deu de ombros. O argumento do PT é o mesmo que manteve todas as ditaduras, de César em diante. Não vêm ao caso as qualidades do beneficiário – se as há.


Um político que jura uma Constituição, aceita se candidatar a um mandato de quatro anos, precisa ser dotado de monstruosa insensibilidade ética para articular uma legislação em causa própria.


Se acaso Dilma pedir ao Congresso que aumente o seu mandato, teria violentado um preceito moral. Articular ela própria um mandato maior é moralmente mais condenável.

Não cremos que faça isso.

NOITE ESTRELADA


Já decidi: vou esperar o Natal – data chatíssima – ouvindo música. Já separei o CD da Nona Sinfonia, que uma das filhas me deu já como presente de festa. Pretendo alongar-me no sofá, neste canto da sala. Aos poucos, de início baixa, quase inaudível, a música vai crescendo, e encherá o apartamento.


A música me faz bem. Sinto que me desangustia, atenuando a depressão em que resvala com a leitura dos jornais. Beethoven vem me buscar ao fundo do poço. E só aí poderei olhar a noite estrelada. Depois eu fecho os olhos e fico a ouvir Sonata ao Luar. Demais, não?

Então vamos a Amália Rodrigues, uma das minhas paixões. E sinto toda a emoção da fadista maior em Nem às paredes confesso e Ai Mouraria. Uma vez, em Lisboa, passei quase uma noite inteira a ouvir fadistas famosas, aplaudindo Coimbra: “Coimbra onde uma vez / Com lágrima se fez / A história dessa Inês / Tão linda!” E um fado que dizia: “Somos dois gritos calados / Dois fados desencontrados / Dois amantes de domingo”.

FLORESTA


Durante alguns anos conservei por baixo do vidro de minha mesa na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, ao alcance de meus olhos, esta advertência de Descartes: “Se você está perdido numa floresta, não se ponha a andar de um lado para outro, ao acaso, tentando uma saída: marche sempre em frente, e sairá da floresta.”

ADJETIVOS


Foi mestre Aurélio Buarque de Holanda, num dos seus estudos críticos, quem primeiro assinalou, como um dos traços distintivos da Canção do Exílio, na obra de Gonçalves Dias (1823-1864), a ausência de adjetivos.

O dicionarista poderia ter acrescido ao seu estudo esta epígrafe de Voltaire: “O adjetivo é o pior inimigo do substantivo, embora concorde com ele em gênero, número e caso.”

PERGUNTINHA


Já falei no analfabeto funcional, isto é, aquele sujeito que saber ler, sabe escrever, mas não lê e nem escreve absolutamente nada. E quando acompanho a confusão do ENEM pra cá e ENEM pra lá, sinto cócega na língua e faço uma perguntinha:


-- Será que vale a pena gastar tanto dinheiro para ensinar a ler tantos milhares de pessoas que não vão abrir um livro, depois que saírem da escola?

APRENDENDO


Eu lia SPA. Sabia mais ou menos o que era. E queria saber mais. Exatamente, o que vem a ser SPA? Ninguém soube me dizer, nem o Google, que se limitou a dar o endereço de alguns. Levei dias atrás de saber – o que quer dizer SPA, ao pé da letra?


Então achei, e quase dei o grito de Arquimedes – HEURECA!!! Sim, achei. SPA é a abreviatura de Sanus Per Aqum. A grosso modo quer dizer SAÚDE PELA ÁGUA.


Valeu, e passo a vocês. Sabem o que significa SPA? Sim, agora todos sabemos. Como diria Disraeli: “Termos consciência de que somos ignorantes é um grande passo rumo ao saber.”

ABASTECIMENTO


Estamos sem caju, e estamos sem milho. Falam que vamos ter de importar milhões de toneladas de um e de outro. Mas isso é antigo, e a gente passa por cima. A primeira grande crise de abastecimento, documentada no mundo, está no Gêneses, quando José, fugindo de seus irmãos, desvenda no Egito o sonho do faraó: “Sete anos de vacas gordas, sete anos de vacas magras.”


E vaticina: “Os anos da abundância serão esquecidos pelos terríveis anos de escassez e fome.” E criou a doutrina do “estoque estratégico.” Guardar para os momentos de falta e regular a oferta e a procura, como nos ensinam as formigas, feitas por Deus antes do homem. Devemos importar soja, trigo, milho, arroz e castanha.


O problema nos leva a unir esforços num ano de vacas magras. A agricultura, aqui e no mundo inteiro, é complicada. E como começamos com José, terminemos com ele. Antes de partir para o Egito, Israel o chamou e lhe pediu: “Vai ver como está o gado e vem me dizer.”


Mas para misturar castanha, milho e poesia, é bom salientar que a pior “parte neste latifúndio”, lembrando João Cabral, está com o Nordeste. Aqui, crise agrícola é desgraça mesmo. Atinge em cheio, porque está nesta região a maior pobreza rural do país. As consequências se estendem ao social, beirando a tragédia. A fome está presente. Dieta de farinha e água. Arroz e rapadura. Desespero. Conjuga-se nesse quadro o peso dos séculos, o solo, o clima.

O NOME DE CAPITU


É no cap. XIV do Dom Casmurro que encontramos o nome de Capitu na sua forma completa, quando a menina, já de namoro com o narrador, escreve o nome deste e o seu, com um prego, no muro do quintal: Bento, Capitulina.


Acho que só sabe disso a professora Adísia Sá. (E o que é que ela não sabe?)


No caso, o nome parece associado naturalmente à idéia de entrega, de capitulação, confirmativa de seu adultério. Capitu seria a que capitulou. O certo é que o romancista lança-o de passagem, no começo da narrativa, juntando os dois nomes na inscrição do muro, e depois só emprega a forma reduzida, que traz consigo o seu mistério.

sexta-feira, novembro 12, 2010

MUDANÇA SÉRIA


Deus vai ter de mudar tudo sobre a Terra e adaptar a Bíblia ao mundo cão atual, envolvendo questões como aborto, eutanásia, casamento de pessoas do mesmo sexo, celibato etc. Adão e Eva, por exemplo, coisa superada, passarão a ser Adão e Ivo, casal gay que adotará um menino negro, já que todos no céu, principalmente os anjos, são louros de olhos azuis.


Não vê Jesus? Aparece de cabelos louros, longos e olhos da cor do azul do céu, como quer a Igreja. Ora, nós sabemos que, no tempo Dele, não havia ninguém de olhos azuis e cabelos louros. Só depois dos anglo-saxões é que essa raça apareceu. Raça ariana, pura, como queria Hitler. Jesus seria carcamano, tipo físico tal qual Saddam Hussein.

FRINÉIA


Ela acaba de me mandar de presente uma coletânea dos textos de Mário Quintana (1906-1994), poeta, ensaísta, prosador e jornalista gaúcho de Alegrete. Presentaço. Frinéia é minha sobrinha piauiense, uma das quatro filhas de meu irmão um ano mais velho do que eu, por isso mesmo companheiro dileto de toda a vida. São todas lindas e inteligentes. Formam uma família saudável e feliz, algo difícil hoje em dia.


Frinéia entende tudo de computador. Simplesmente tudo e mais do que tudo. Tem amigos virtuais mundo afora, e arranja tempo para escrever. Seu texto atinge alto nível de excelência estética, leveza e graça sem perda de densidade. Nos correspondemos sempre, e quando me atrapalho com a telinha, lá vem ela a me tirar as dúvidas. Soube escolher para mim toda a ironia e o bom humor do grande Mário Quintana.

HIPOCRISIA


A baixaria do governo federal, o governo do PT, tem filiais espalhadas pelo território nacional. A mídia se esbofa para acompanhar as acusações, checar as denúncias, identificar os laranjas, explicar o cipoal de cada caso. Na verdade, ninguém está entendendo nada de nada. Uma coisa simples como a correção do salário mínimo (não falei em aumento, falei em correção), rende discussões infindáveis e hipócritas, pois todos sabem que os cálculos são viciados para garantir o equilíbrio das contas que o governo é o primeiro a desequilibrar.


Tivemos o totalitarismo militar. Temos agora o totalitarismo da mediocridade. Há vítimas de um lado e de outro.

PAPAI NOEL


Já começou a época mais chata do ano: o Natal. Muitas pessoas se aproveitam para pedir e pedir, listas e mais listas, mil criatividade para enrolar os bestas. O comércio oferece – compre três e leve quatro, quando na verdade pagamos o preço de cinco.


Chegaremos já ao Ano Novo, com as chatices esticadas do Natal. Fala-se apenas em Papai Noel, e quase ninguém fala no Menino Jesus, que não nasceu no 25 de dezembro, data inventada pela Igreja. Vamos chegar ao novo ano com dificuldade para dizer “bons anos”, em meio ao sofrimento e às dificuldades de sempre.


O tempo passa, e os estilos e as palavras, como todas as coisas, renovam-se. Mas há uma constância na inconformação do homem com as coisas más. Hoje, talvez pudéssemos repetir de como são falsas as cortesias de um ano feliz. Os bons anos não os dá quem os deseja, senão quem os segura.

CARMEM MIRANDA


Ela era mestra do samba urbano carioca, leve, ligeiro, safado, sexy, com o estou-pouco-me-lixando do Rio de Janeiro. E sua personagem é uma criação tão inspirada quanto o Carlitos de Charlie Chaplin. Estou a ouvi-la em dois sambas geniais, ambos de Assis Valente: Camisa Listada e O Mundo Não Se Acabou. Assis Valente (1911-1958) suicidou-se num banco de praça da praia do Flamengo, bebendo arsênico, depois de outras tentativas de se matar, por causa de dívidas. Chegou a se jogar do alto do Corcovado.


Carmem, com aquelas frutas todas na cabeça, os olhares faiscantes, a pseudapaixão latina, tinha um imenso senso de alegria e vitalidade que comunicava. A crítica dizia que voltara dos EUA “americanizada”. Morreu jovem, aos 46 anos, no dia 5 de agosto de 1955. Quando eu era menino, falavam que usava sapatos de ouro e era amante de Getúlio, na verdade um tremendo namorador das artistas de sua época. Além das irmãs Linda e Dircinha Batista, o velho ditador se babava diante de Odete Lara. “O baixinho era fogo”, lembra Odete.

REALIDADE


Digam o que quiserem, mas o Brasil – que eu não troco por lugar nenhum no planeta – vai iniciar 2011 levando na carne a chaga que não soube fechar em mais de 500 anos de história. Pode fazer piruetas no cenário internacional, como nas conversas fiadas de Lula, vestir-se como nação civilizada e emergente, bimbalhar todos os penduricalhos do neoliberalismo globalizado, mas a realidade é bem outra.


A cada volta que der no salão, todos verão a chaga que nunca foi fechada, a chaga que enodoa e enoja. E todos sabem que, nos últimos anos, nossas roupas de seda apenas escondem uma podridão moral que não sabemos curar. De nada adianta mudar os governos, se os costumes continuarem os mesmos. Dilma pouco poderá fazer, se fizer. E desconfio que ninguém fará.

E OS NOSSOS SANTOS?


Os jornais falam que o Papa vai canonizar a Irmã Dulce. Ou seja, vai virar santa, certamente a santinha mais feia do céu, e talvez, por isso mesmo, mais reverenciada por Deus, uma recompensa divina por suas obras sociais incontáveis. Santa brasileira e baiana. já imaginou? Fica faltando somente o nosso Prêmio Nobel.


Muito a propósito, o que é feito do primeiro santo do Brasil, o Frei Galvão? Das pessoas que consultei, inclusive um padre, ninguém soube me dar qualquer informação. Foi canonizado por Bento XVI em 11 de maio de 2007 e não se falou mais nisso. Era paulista de Guaratinguetá.

domingo, novembro 07, 2010

CLASSE MÉDIA


A partir do dia 1º de janeiro, Dilma terá numerosos abacaxis para descascar. Lula à parte, que vai querer ficar mandando e já se preparando para 2014, ela terá grandes desafios com a economia e, por consequência, com a classe média. Eis aí o futuro da sociedade democrática. Ela é a grande força criativa. Há uma denúncia de sua proletarização e esmagamento em face da atual concentração de renda.


Nos países pobres e nos países em desenvolvimento, a velha execração da Rerum novarum, da injustiça dos pobres mais pobres e os ricos mais ricos. É uma lei no Brasil. Essa concentração é terrível, e a tendência não se interrompe. Ao contrário, aumenta. O mesmo na América Latina.


É o que está acontecendo no mundo rico. Na Europa e nos Estados Unidos a classe média reclama e se sente em processo de destruição. Já na Europa do Leste o fenômeno é outro: o processo de liberação da economia não avança porque não há classe média. Daí o extremo cuidado da presidenta eleita na formação de sua equipe nessa área vital.

O REI ETERNO


Os 70 anos do atleta do século e rei do futebol são acolhidos em festa por todo o Brasil e em vários recantos do mundo. Pelé é mais conhecido do que o Papa, segundo a ONU. Ele é do tempo em que os grandes jogadores de futebol amarravam as chuteiras com as veias dos pés. Eu já assisti umas 20 vezes à final da Copa de 70, aqueles 4 X 1 contra a Itália. Uma seleção igual ou mesmo parecida, nunca mais, nunca mais.

DITADURA


Muita gente ainda acredita que o regime autoritário dos militares durou 21 anos por causa da repressão policial. E não foi bem assim. Parte da mídia e a quase totalidade da classe política deram sustentação e quadros para os militares ficarem tanto tempo no poder.


Economistas e tecnocratas de tamanhos e feitios diversos tiveram sua hora e vez. Oligarquias foram criadas nos Estados e nos segmentos principais da economia nacional. Tal como está acontecendo agora, sob o comando de Lula, usando o PT que foi criado justamente para combater essas distorções.


Nos últimos oito anos, Lula fez tudo o contrário do que condenava quando era o grande líder operário que foi. Pegou sua biografia e virou, toda ela, de cabeça para baixo. Dito isso, fica difícil prever o que fará sua sucessora, a ex-guerrilheira a quem ele, com sua colossal popularidade, acaba de entregar na bandeja o cargo mais importante do Brasil.

PREFÁCIO


Faz poucas semanas, encomendei um texto para servir de prefácio a livro de amigo meu. O sujeito gostara do livro e era também amigo do autor. Quando lhe propus a tarefa, ele alegou que era um “profissional”. Queria ser pago – o que achei justo e providenciei pelo preço do mercado.


Qual o preço de mercado de um político profissional, que todos o são? Evidente que não pode ser um preço em dinheiro (em alguns casos até que pode). Não sendo em dinheiro, o preço é que nem a mulher, móbile, qual pluma ao vento, ou seja, não merece confiança.

IMPRENSA


Na eleição de domingo passado, o Brasil teve um dos momentos mais altos de sua história. História sofrida, de hiatos, muita corrupção, dias de sombra. Nos últimos anos, criou-se um sistema paralelo, oculto, mas eficiente, com objetivos inconfessáveis, fora da Constituição, no caminho da ilegalidade e destruindo a democracia pela ausência de parâmetros éticos. Se demora mais um pouco, a democracia brasileira estaria destruída.


A consciência nacional mobilizou-se, despertou o eleitor e teve sua grande visibilidade na imprensa, que viveu o seu grande momento, heróica, corajosa, bem feita. O eleitor votou em Dilma, votou em Serra. Como quis, livremente. Fez verdade visível o pensamento de Thomas Jefferson: “Melhor viver sem governo do que sem imprensa. É ela a primeira de todas as liberdades”.

INTEMPESTIVO


Na recente entrevista ao Bom Dia Brasil, na Rede Globo, Dilma Rousseff já pareceu outra. Deixou claro possuir seus próprios planos para governar o país, longe de que seria uma boneca marionete. E o PT cometeu um erro grave, quando alguns de seus áulicos lançou o nome de Lula para 2014. Um erro desse tipo, em política, além de intempestivo, é quase um crime.


Esse tipo de jogada deixa Dilma pisando em cacos de vidro, sem jeito, sem identidade. Mas ela, na entrevista, deu sinais de amadurecimento e de que terá muito trabalho pela frente para se impor e sair do ombro de seu criador (a rima é proposital). Todos torcemos para que caminhe com as próprias pernas e enxergue além da linha do horizonte, enquanto Lula tome seu rumo e a deixe em paz.


Esse sentimento tão puro e extraordinário que sacudiu o Brasil domingo passado não pode ser condomínio de ninguém. Nem dos partidos, nem de grupos, nem de interesses políticos. Ele é um patrimônio da história deste País. Não pode ser desconhecido nem traído.

PRESIDENTE / PRESIDENTA


Vejam o que diz o dicionário do Aurélio sobre o substantivo presidenta: Feminino de presidente. Substantivo feminino.. 1. Mulher que preside. 2. Mulher de um presidente”. Presidente (do lat. Praesidente) Substantivo de dois gêneros. 1. Pessoa que preside. 2. Pessoa que preside os trabalhos duma assembléia ou corporação deliberativa. 3. Substantivo masculino. O presidente da República. Adjetivo de dois gêneros. 4. Bras. Ant. Governador de Estado. Presidente da República. 1. Chefe de Estado republicano.


Então, a forma de tratamento correta é – Presidenta Dilma.

E estamos conversados. Soa estranho, mas é o certo. Ela é mulher, ela é presidenta, jamais presidente. Até nisso ela inovou.