sábado, setembro 27, 2008

A OBSESSÃO DAS SIGLAS


O neologismo, entre nós, que alguns puristas interpretam como um palavrão, surge espontaneamente. Além de gíria, um dialeto à parte, temos a obsessão das siglas que apareceram com o saudável propósito de simplificar a entidade ou instituição de nome quilométrico.

Foi uma medida econômica que se impôs muito antes da ditadura dos economistas e depois degenerou por completo. Como jornalista, durante muito tempo aplicado a questões de texto, entendo até hoje que mesmo a sigla mais popular deve ser traduzida logo na sua primeira citação no noticiário de rotina. Parto do princípio otimista de que, a cada 24 horas, pode estar pintando um novo leitor, sem nenhuma obrigação de saber a quantas andam as combinações e códigos de palavras adotados, em acordo tácito, entre editores e consumidores de jornais.

Há muita coisa a confundir os incautos. Se você disse, por exemplo, a palavra Abel, os iniciados no catecismo se lembrarão daquele ingênuo irmão da Caim; no entanto, Abel é Associação Brasileira de Educadores de Lassanlistas.

Aqui, no Ceará, centro do universo, temos siglas as mais escandalosas possíveis. Vejam estes exemplos: Admmece, Corece, Fcauto, Fenabrave, Glomec, Imparch, Lubinor, Padetec, Seitec, Unisorv, etc. e etc. Criou-se, assim, uma linguagem cifrada que se ramifica pelas seções dos jornais. Antigamente, eu só não entendia os turfistas, mas a cada dia me sinto mais limitado em meus conhecimentos vocabulares.

Quando digo que alguma tarefa está “a cargo” de alguém, qualquer brasileiro, menos os goianos, pode entender: para os goianos, a cargo é Associação de Crédito e Assistência Rural de Goiás. De onde fala? Da Acargo. Que horror!

PERISCÓPIO

***** Um amigo me garante: no Brasil, ninguém é de direita. Somos todos, genericamente, de esquerda ou, quando queremos ser menos genéricos, de centro-esquerda. São os fatos que atrapalham. A realidade é que estraga tudo.

***** O político não tem o privilégio do artista, que pode ser um canalha em particular, se sua obra o redimir. Hoje se estuda a obra de Marquês de Sade com a mesma isenção moral com que estuda a obra de Santo Agostinho, que nem sempre foi santo.

***** As grandes lendas se fazem com o tempo. Não dou uma geração para Lula se transformar num herói legendário, e sua passagem pelo governo numa narrativa épica.

***** Rola na Internet esta frase de Eça de Queiroz: “Os políticos e as fraldas deviam ser trocados freqüentemente e pela mesma razão.”

***** Engraçado, só depois de 508 anos aprendi que o Brasil é o único país do planeta que tem nome de árvore. A árvore acabou, e faz tempo. O país ninguém sabe até aonde vai.

***** Confesso gostar humildemente de dinheiro. Não sei é como encontrá-lo em quantias satisfatórias. Somando tudo o que ganho, inclusive o que o governo me assalta, o dinheiro dá para eu viver magnificamente uma semana.

sábado, setembro 20, 2008

CORAÇÃO QUE BATE FORTE


Segundo meu datafolha, sou 100% nostálgico, com pouca diferença para mais ou para menos e tecnicamente empatado. Em nenhuma pesquisa, apareço como saudosista, que é outra coisa, santo de outra capela. Imagino ter sido eu algum tipo de museu num mundo qualquer, milênios atrás, quando os humanos podiam ser qualquer coisa, até sapo de lagoa, o velho cururu.

Por que museu? Porque vivo do passado, e quem vive de passado é museu, conforme uma muita antiga filosofia de pára-choque. Não consigo me desgarrar do passado, e quanto mais distante, melhor. As saudades da infância me atormentam, e ainda outro dia caí na besteira de reler as primaveras dos oito anos de Casemiro, tive de agüentar firme para não chorar.

A poesia me pegou, com sua singeleza, ingenuidade, sentimentalismo exagerado, canto do amor travesso. Então doeram de saudade a imagem de meus pais, meus irmãos, cenas da vida familiar, o casarão onde morávamos, belo, grande, piso de madeira nobre, telha do Pará, rodeado por uma meia lua de árvores frutíferas de muitos galhos carregados e passarinhos livres e felizes.

A esta altura da vida, ainda sinto que me acompanha, como um acalanto longínquo, o rangido de minha rede piauiense, que vem e vai, vem e vai, no gancho de ferro dos armadores, imitando um grilo preguiçoso que não se cansasse de repetir o mesmo rem-ram, rem-ram, querendo adormecer-me. Nas minhas madrugadas infinitas, sou eu que vou buscá-lo nos guardados da memória, e ele me reflui à consciência, transformado em música da infância.

O passado é um cadáver amarrado aos pés, pelo menos o meu passado sentimental. Não consigo me livrar dele, como um segundo coração que bate em mim. E, sabe, não quero me livrar dele, nesta vida besta de saudades e recordações danadas e doloridas.

PERISCÓPIO

***** Debate na Câmara Municipal. De repente, um ilustre edil, num arroubo oratório, fez uma citação: “Fiat-Lux!” E aí outro edil, não se contendo, atacou: “Vossa Excelência respeite esta Casa. Isto é latim de caixa de fósforo.”

***** Nosso escritor maior, Machado de Assis, morto há um século, diz em “Quincas Borba”: -- O maior pecado, depois do pecado, é a publicação do pecado.

***** Quero cumprimentar os débeis mentais que ficam diante da televisão durante o horário político do TRE. E gostaria de felicitá-los por até agora não terem se suicidado.

***** Tem sido assim. Procuro catar qualquer cisco, para com uma porção deles fazer um ninho e botar meu ovo. Creio não conseguir. O ovo não passa. É grande demais aos meus merecimentos.

***** Ando a organizar uma videoteca com as excelências que meu amigo e leitor Miguel Colares Penha, o rei do Pecém, me manda sistematicamente. Vou explodir de vaidade.

***** Na última, ele conta que o sobrinho chega para o tio e diz: “Tio, trago duas notícias, uma boa, uma ruim. A ruim é que o senhor vai perder as duas pernas, e a boa é que já achei comprador para todos os seus sapatos...”

sábado, setembro 13, 2008

Ladrão da Honra Alheia


O episódio é conhecido, e ainda assim não lembro com quem foi. Deu-se que Carlos Lacerda (1914-1977), líder da UDN na Câmara dos Deputados, na década de 50, em forte troca de desaforos com um adversário político, foi tratado de “Vossa Excelência é um ladrão”. Lacerda pergunta: “Eu ladrão?” E ouviu: “Sim, ladrão da honra alheia”. Lacerda riu e observou: “Bom, então nada tenho a roubar de Vossa Excelência”.


Bela figura, voz baritonal, orador incomparável, a figura alta, a entoação perfeita, a fluência da palavra, a gesticulação apropriada, o poder do tom lírico ou da veemência acusativa, convicto, apaixonado, transfigurado, era assim Carlos Lacerda, cuja biografia,
A Vida de Um Lutador, do historiador norte-americano John W. F. Dulles, lançada em dois volumes, venho lendo e relendo. Sou um lacerdista total, desde os tempos do velho Rio de Janeiro, quando acompanhei a derrota do candidato dele para sucedê-lo no governo do Estado da Guanabara, o professor Flexa Ribeiro, para o embaixador Negrão de Lima. Grandes figuras, tempos admiráveis!


Para quem não sabe, o título desta coluna foi tirado de uma obra dele, com permissão do filho, Sebastião, dono então da Editora Nova Fronteira, fundada por ele, quando lhe roubaram os direitos políticos. Todos já se foram. Eu estou aqui para lembrá-los e louvá-los.


A pena do jornalista Carlos Lacerda, a serviço de sua astúcia política, poderia ter competido com a língua de famosos maldizentes como Talleyrand ou Rivarol, terrível com Mirabeau, por exemplo, ao afirmar que o famoso tribuno era capaz de tudo por dinheiro, até mesmo de uma boa ação. Lacerda gozou de fama aproximada, na causticidade com que zombou de seus contemporâneos.

PERISCÓPIO

***** A vida social tem seus ritos, dos quais não podemos escapar. Diz Machado de Assis que a sociedade se compõe de duas classes. Uma, com mais apetites que jantares. Outra, com mais jantares que apetites.


***** Lembrete aos políticos. Se quiserem permanecer no mesmo partido, é preciso, de vez em quando, mudar de opinião.


***** Faça como eu. Quando entro numa casa pela primeira vez, procuro logo saber onde fica a porta por onde poderei sair.


***** Não há talvez, em todo o Brasil, coloquialismo mais saboroso do que o modismo paulistano de misturar as pessoas com quem se trata o Tu e o Você. Mas isso não se aprende na escola. É cacoete adquirido. Falando, passa.


***** É preciso seguir a lição dos mestres, inspirados no mais alto dos exemplos. Muito atacado, Deus reage pelo desprezo. E nunca responde.


***** Eu só conheço uma forma da admiração pura: aquela que nos leva ao aplauso irrestrito, sabendo que não podemos ficar no lugar do aplaudido.

sábado, setembro 06, 2008

QUEM É FELIZ NÃO É VIOLENTO


Os jornais trazem, todos os dias, notícias e mais notícias sobre chacinas. Clamam aos céus porque não são mais do que violência e porque também não são fatos isolados.

A pena de morte, tão repelida pela sociedade, está nas mãos dos bandidos. Lida-se, no Brasil, com o cotidiano da morte institucionalizada, como se matam porcos, com uma diferença: -- estes gritam, denunciam as regras da natureza, que é viver, e os homens não, porque estão dormindo. Mata-se em São Paulo. Mata-se no Rio de Janeiro, em Fortaleza, em Maceió, no Nordeste, no país inteirinho e, o que é terrível, o comprometimento de quadros significativos do aparelho policial com o crime.

Cria-se uma aliança hedionda, numa contradição trágica. O crime desperta revolta, mas essa revolta passa a ser o próprio crime, e o Estado, responsável pela segurança e pela ordem pública, transforma-se em algoz do próprio povo, um povo que se sente ocupado pelas hordas de um particular apocalipse.

É claro que podemos esquecer, até por justiça, que por trás de tudo isso está a questão social. Com o desemprego, a recessão acumulada, a palidez e principalmente a politicalha dos programas sociais. Por meio deles o governo dá a esmola em troca do “Deus lhe pague” na urna eleitoral, chega-se a acúmulos de itens administrativos apodrecidos como a desvalorização do salário, a fome, a doença, gente abandonada em corredores de hospitais abandonados.

O país está nervoso, tensionado. É preciso restabelecer a paz brasileira, tão paz, tão amiga, tão companheira, tão serena. Devolver-lhe a segurança, a tranqüilidade e esta palavrinha bem ao feitio da pátria amada gentil – paz. Porque quem vive em paz é feliz, e quem é feliz não é violento.

PERISCÓPIO

***** Reparem, ninguém usa mais luto pela morte de parentes. Ninguém deseja que desconhecidos se interessem por seu luto. Quer dizer, nada de exibir nossas dores e tão somente guardá-las sempre conosco. Bem guardadas, envoltas em silêncio. O sofrimento que se exibe não é mais sofrimento. É propaganda. Ou ostentação.


***** Deu-se que o padre Vieira, em carta a um amigo, queixou-se do silêncio dos seus interlocutores: “A algum escrevi e de nenhum tive resposta.” Mais prático foi o maranhense Vespasiano Ramos. Em situação análoga, mandou ele um cartão com esta redondilha: “Se não mereceu resposta / O bilhete que te fiz / Esfrega o dedo na bosta / E depois coça o nariz.”


***** Outro dia, sua excelência, o Dr. Paulo Maluf, o maior cara de pau do país, foi visto ajudando um ceguinho japonês a atravessar uma rua, na turbulenta São Paulo. Será que ele conduzirá alguém mais, na vida política exemplar, além desse ceguinho?


***** Nos tempos antigos, todo bom poeta morria tuberculoso e bem jovem. Menos Manuel Bandeira, desde mocinho um “tuberculoso profissional”, como se chamava. Morreu com mais de 80. Depois do almoço, dormia sempre. Em qualquer parte, assim que acabava de comer ia para a cama mais próxima. E, como no seu soneto famoso, dormia profundamente.


***** Hitler é o exemplo supremo de que política dá sempre zebra. O que ele mais queria era destruir o comunismo e os judeus. A Rússia saiu o que chamam superpotência da II Guerra, e os judeus fizeram Israel.


***** Na verdade, eu vos digo o que penso do celibato dos padres. Se não tiver um fim urgente, muitas das igrejas do mundo vão acabar virando maternidade.