sábado, abril 25, 2009

ADENAUER, NERO E O IDOSO


Cícero, sessentão, 40 anos antes de Cristo, escreveu um livro, não lembro o nome – acho que De Senectute, algo assim -- em que faz o elogio da velhice. Ele dizia que todos desejam chegar à velhice, e quando chegam, acusam-na. “Devo grandes agradecimentos à velhice por ter aumentado em mim a avidez da cultura e diminuído a da bebida e da comida”.


Norberto Bobbio, em novo livro sobre o assunto e com título parecido, diz que quem louva a velhice não a viu de perto, concordando mais ou menos com essa história shakespeareana de que a velhice é a segunda infância. Vá lá. Outro dia eu fui a uma entidade pública. Fila enorme. Uma jovem gentil atacou: “Olhe, a fila dos idosos é ali, o senhor tem direito”... Etc.


Então eu passei à frente de todo mundo e fui guerrear com a burocracia. Fiquei matutando com essa condição de “idoso”. Até hoje não me refiz do choque. Já enfrentara fases traumáticas. A dos 40, quando chegamos nos “enta”. A dos 50. Puxa! E agora? Meio século! Chegarei aos 80? E, não faz muito, a dos 60, a partir do que nos jogam no poço do infame eufemismo da “terceira idade”. Terceira idade, uma ova. Nunca me passou pela cabeça de ser chamado, tão cedo, de “idoso”, ainda mais numa fila de gente me olhando, entre um e outro sorriso de canto de boca.


Idoso é a senhora sua mãe, me deu vontade de dizer à jovem. Idoso como? Ela sabia da minha idade? Olhou meus documentos? Me viu apoiado em alguma bengala, humilde e curvo como uma vírgula? Pior foi ler o cartaz que orientava a fila: “Gestantes, deficientes físicos e idosos”. O ridículo, a partir de uma certa idade, é como você fica avaro em matéria de tempo. Briga por causa de um mês, de um dia. E os cabelos brancos, mesmo prateados e fartos como os meus?


Minhas filhas acham que, tirando a barba, eu ficaria mais novo. Meu medo é tirá-la (uso barba há 35 anos), melhorar a aparência de velho e ganhar cara de velha. Idade tem dessas coisas. Adenauer salvou a Alemanha aos 82 anos. Nero tocou fogo em Roma aos 35. E a verdade é uma só: -- a gente sempre envelhece, mas raramente amadurece. Os antigos diziam haver três sexos (e eu já repeti isso 300 vezes): -- o sexo masculino, o sexo feminino e o sexagenário. Fazer o quê?

PERISCÓPIO

1 - No pára-choque do caminhão, placa do Horizonte, Fazenda Meuzamor, na Canavieira, do advogado e boa gente Antônio Carlos Araújo: “Pior do que ser um pobre diabo, é ser um pobre diabo rico”. Faz sentido.

2 - Calmamente catastrófica” – é como os banqueiros europeus começam a definir a atual situação da economia do Brasil. Lembra a história daquela moça namoradeira, a Maria Batalhão, que tanto fez que acabou “ligeiramente grávida”.

3 - Não suportando mais o cinismo de alguns senadores e deputados, tomo a liberdade de dizer que, num país como o Brasil, pouquíssimos podem adotar a política como profissão e permanecer honesto. Até porque na política, como na alta finança, a duplicidade é considerada uma virtude.

4 - Quem pergunta...: -- o que se pode esperar de um país onde o assalariado paga 10% do total do imposto de renda e as instituições financeiras, os bancos, nem 3%, e onde R$ 20 bilhões da grana que entra como investimento estrangeiro são de brasileiros que usam o expediente para não pagar nenhum tributo?

5 - Eu adoro papo de economistas, só para rir do que chutam. Não acertam nenhuma previsão. Acertariam, com certeza, se tivessem de prever a década anterior. Em matéria de previsão do passado, são imbatíveis.

6 - Falam tão mal do computador. Mas vejam. Essa máquina surgiu para salvar a palavra escrita da extinção a que estava condenado pela tevê. Agora, na tela do computador há palavras, textos e mais textos, o que nunca houve na tevê. Muitos escrevem só pelo prazer de empregar a máquina.

7 - Houve um tempo em que a ignorância era por falta de informação. (Lembrai-vos de 64!) Agora, muitas vezes, é por excesso. Depois da inapetência, a indigestão. Por isso, não quero mais que me informem, quero que me expliquem. Deixem o Sarney explicar. É dos poucos confiáveis.

8 - Basta prestar atenção. A primeira página do New York Times dificilmente fala em governo. É o oposto dos nossos jornais, onde os principais personagens são, em geral, o presidente, governadores e ministros. Será simples preferência jornalística ou sintoma da onipresença do Estado?

9 - Encerro a coluna ouvindo Ataulfo Alves cantando Atire a Primeira Pedra, que ele compôs em 1944 com letra de Mário Lago, a mesma dupla famosa de Ai que Saudades da Amélia. Reproduzindo no título a sentença bíblica, este samba trata do apelo veemente de reconciliação de um amante, que não teme ser chamado de covarde. Ainda hoje é gravado e regravado. Pela primeira vez na coluna, a pedido de uma leitora, vai a letra completa.

10 - “Covarde sei que me podem chamar / porque não calo no peito esta dor / atire a primeira pedra, ai, ai, ai / aquele que não sofreu por amor / Eu sei que vão censurar o meu proceder / eu sei, mulher, você mesma vai dizer /que eu nasci pra me humilhar /ah, mas não faz mal / você pode até sorrir / perdão foi feito pra gente pedir”. Ótima letra, beleza de melodia, eis uma das melhores composições da MPB em todos os tempos.

sábado, abril 18, 2009

ADHEMAR, JK E OS PLANOS DE METAS


Está na moda lançar plano governamental, a velha questão do plano administrativo. Lula toda semana lança um, com a ministra Dilma ao lado, dizendo sim com a cabeça e aplaudindo. Convidam-se técnicos, lideranças comunitárias, cientistas políticos, desocupados, especialistas nisso e naquilo, e vamos ao plano de nome bonito, atraente, com logomarca. Etc.


Tem um aí com a Caixa Econômica que garante um milhão de casas populares. Um milhão! A gente sabe que isso é bazófia, falácia, até porque são quase 15 milhões de pobres-diabos perambulando pelas ruas, sem ter onde morar. E ainda mais porque só beneficia municípios com mais de 100 mil habitantes. Mas anunciar planos é tradição na política nacional dos governantes brasileiros nas três esferas.


Ao final, o prefeito, o governador ou o presidente não lêem uma linha do tal plano e governam à luz dos próprios interesses. Conta-se, a propósito, que o velho pilantra Adhemar de Barros tinha sempre um plano em sua prateleira, bem encadernado, repleto de estatísticas e gráficos. E ele, gordo, rico, safado, com aquele crucifixo de ouro caído ao peito, observava com o velho cinismo dos políticos rasteiros: -- “É bom ter sempre algum plano guardado para empurrar nos palermas...”


E fazia o que a grande maioria dos governantes faz. Toda comissão de organismos internacionais que chegava e queria saber de suas intenções, Adhemar dava a ordem sumária: “Ô, querido aspone, traga aí aquele o nosso plano.” E lá vinha o volume grosso e bem editado. JK simplificou as coisas e compatibilizou-as numa síntese – “Plano de Metas”. Mas JK era único. Fazia planos e cumpria planos.


Com as eleições de 2010 se aproximando, imagino o quanto Lula não deve estar ansioso pelo plano que desejam, em razão do figurino eleitoreiro que lhe mostram. Não fujo da observação misteriosa: desconfio que improvisam a baboseira toda, e isso é considerado plano para si e seus palacianos. Nesse ponto, o ex-metalúrgico ganha até de Adhemar de Barros. Daí em diante é o labirinto, com a dúvida e a impressão de que o plano anda escondido ou desapareceu como a antimatéria, que se extingue quando existe, e coisas assim de endoidecer a cabeça da gente. Como física quântica.


Sobre Lula, Obama – educadamente aqui um gozador -- tem razão: “Este é o cara”. Ainda assim, eu pergunto: alguém duvida que esse cara faça seu sucessor, seja lá quem seja?

PERISCÓPIO

1 - No Brasil, cresce a tendência de agredir as crianças com nomes ridículos. Formam-se às vezes de sílabas dos nomes paterno e materno e dão um resultado horrível. Há tempos, soube de um Catacisco, filho de Catarina e Francisco. Era o primogênito. Se vier agora uma menina, já tem nome. Mas Ciscorina se recusa a nascer.

2 - Eu não consigo imaginar Machado de Assis fazendo sexo com Carolina. Não consigo mesmo.

3 - Não sei se vocês sabem, mas o Brasil é o único país do mundo sempre virando uma página da História. O diabo é que ninguém consegue explicar que a grande maioria das páginas é em branco.

4 - Moisés era um cara legal. Seu mal era a empáfia. Assim como era bom de decálogo, era ruim de diálogo. Ele só conhecia um tempo do ver – o imperativo.

5 - Um amigo andou aqui por casa, levou-me um livro raríssimo, sumiu e jamais me devolveu a preciosidade. Parece triste o destino de todo livro emprestado – estragar-se ou perder-se em definitivo. Como no filme de Sam Peckinpah, meu ódio será sua herança...

6 - Eu estava presente, quando aquele prefeito tomou posse e prometeu: -- “Vou limpar esta administração”. Cumpriu a promessa ao pé da letra. Cinco meses depois, deu um rombo na prefeitura de deixá-la de erário limpo e escovado. Perdeu o mandato, mas sob o protesto dos eleitores. Ah, os eleitores!

7 - Outro dia eu disse aqui haver várias razões para se amar a sopa. Acima de tudo, a sopa nos dá, como nenhum outro tipo de comida, a oportunidade de demonstrar nosso prazer à mesa. Mas não disse que os chineses, inclusive, consideram falta de educação tomar uma sopa em silêncio.

8 - Minha ambição literária é terrível – pôr todo o livro numa página, toda uma página numa frase, e esta frase numa palavra. Acho que encontrei a solução. É antes de começar o livro pôr logo o ponto final. Muitos não ficam nisso?

9 - Encerro a coluna ouvindo o grande Orlando Silva na marcha Malmequer, de Newton Teixeira, gravação de 1939. Tem letra e música mais identificadas com a marcha-rancho, o mais lírico dos gêneros carnavalescos: -- Eu perguntei a um malmequer / se meu bem ainda me quer / e ele então me respondeu que não / chorei, mas depois eu me lembrei / que a flor também é uma mulher / que nunca teve coração...

10 - Essa temática envolvendo flores estava na moda, estimulada pelo sucesso de Florisbela, Jardineira e Dama das Camélias, esta com uma melodia muito elogiada por Villa-Lobos, que acabou vencendo um concurso promovido pela prefeitura do Rio para o carnaval de 1940. A voz de Orlando, como sempre, arrasa. Qualquer mandacaru, naquela garganta, virava rosas de fragrância suave e de beleza.

sábado, abril 11, 2009

NA HORA DA CRISE, AS MANGAS


Três universitárias, pelo telefone, entrevistavam este escriba sobre a crise por que passamos, quando uma delas atacou – eu estaria pessimista quanto ao presente? Sem ser economista, tremi nas bases. Respondi uma porção de besteiras, mas não me deixei vencer.

Otimista ou pessimista é hoje, com certeza, a pergunta mais freqüente e, insistentemente, feita ao pessoal do Guido Mantega. Fui forçado a desenvolver algumas respostas vagas, evasivas, que – sem perder a polidez – não me obrigassem a discutir essa história de taxas de juros, o “atraso” cambial, se o “plano” do governo vai bem na luta contra a situação etc. e etc.

Não sei se a saturação com os temas da conjuntura econômica é um problema exclusivo dos economistas. Desconfio que não. Restará sempre a alternativa de se imolar como fizeram Joyce, Van Gogh, como que num “afterhought”. Morrer moço para fazer tudo que desejava. Há, aqui, uma contradição aparente. São homens que vivem o inferno na terra para conseguir o que querem. Vidas tomadas pela aflição, pela instabilidade, pelo desespero. Vidas que lhe dão mal-estar, para de novo fechar com um contraponto: homens como eles não nascem todo dia.

Tanto em tão breve resposta: sonho e resignação; grandeza e desespero; aflição e serenidade – vida breve e inferno na Terra; otimismo e ceticismo. Como aspirar à serenidade sem admirar a aflição dos homens de gênio? Como ser otimista sem contrapor as infindáveis razões do pessimismo? Como ser pessimista sem se deixar permear pelo chamado da esperança? É preciso talento para ir além da circunstância.

Lembrei Rubem Braga, o urso genial. Na manhã de domingo de um belo dia carioca, no bar da esquina, ele ouvia em silêncio um engravatado a vociferar sobre a gravidade da crise, a desonestidade dos políticos, o desmoronamento institucional e a iminência do caos. Em seguida, voz mansa, Braga observou: -- Ora, tudo bem que essas bobagens preocupem, mas o bom mesmo são essas mangas-rosas que estou devorando. Vieram do Piauí . Uma delícia!

PERISCÓPIO

1 - Acabo de conhecer um executivo, barriga por ali, que tem uma particularidade curiosa: é um homem sempre muito apressado que não tem absolutamente nada o que fazer. Quem quiser conversar com ele tem de ser caminhando, colado, segurando-lhe o braço. Ô ociosidade avexada!


2 - A grande maioria dos leitores que me escreve usa pseudônimo. Nem em off revela o nome. Uma pena. Pessoas cultas, inteligentes, preferem o anonimato. Está certo que Fernando Pessoa, a exemplo de grandes nomes na literatura universal, assinava três nomes diferentes. Bom, não é o caso, mas bem que gostaria de saber quem são, de fato, esses leitores ilustres. Só pra meu gasto, claro.

3 - Heine recomendava que não se desse troco a certa modalidade de escribas e desocupados. Dizia ele que são como certos cães: bota-se a mordaça, e eles encontram meio de latir pelo rabo.


4 - Quando dizem que uma mulher é virtuosa, culta, prendada, amável, discreta, e nada mais acrescentam, desconfio logo que é feia de doer.


5 - Não há amizade verdadeira sem aumento na conta do telefone. Amigo mesmo, telefona sempre. E sempre tem o que contar. Amizade sem assunto não é amizade.


6 - Uma grã-fina de narinas de cadáver (Nélson Rodrigues) me disse outro dia conhecer muitos genros para quem a sogra é menos intolerável que a filha da sogra.


7 - Quando dá vontade de gritar, como no Brasil do momento, sobretudo no Congresso Nacional do momento, eu parto para o humor, a forma mais sublimada de agressividade. Ou enlouquecemos.


8 - Encerro a coluna ouvindo três gigantes – Cyro Monteiro, Nora Ney e Clementina de Jesus – cantando Mudando de Conversa, o gostoso samba de Maurício Tapajós e Hermínio Bello de Carvalho, com acompanhamento do Conjunto Rosa de Ouro. Gravado ao vivo, o disco fez um grande sucesso, e nem poderia deixar de ser assim.



9 - Um trecho: “Mudando de conversa / Onde foi que ficou / aquela velha amizade / aquele papo furado / que troquei de noite no bar do Leblon / tanto chope gelado / confissões abertas / meu Deus quem diria / que isso ia se acabar / e acabar pensando / na melhor maneira / de se conversar”. O solo de Elton Medeiros, na segunda parte, não fica atrás. Imperdível.


sábado, abril 04, 2009

DESCARTES E AS COMUNICAÇÕES



Só agora, do alto de suas cordilheiras, os intelectuais descobriram que estamos na era das comunicações. É verdade que o governo Lula exagerou. Pensando comunicar-se só para dentro, comunicou-se também para fora, graças à tecnologia de piolhos televisivos, e essa foi sua desgraça, embora com uma popularidade ainda alta.


Como o Diabo jamais cai sozinho, arrastou dezenas de corruptos. Os nomes são incontáveis, em razão do imoralíssimo corporativismo no Congresso. Mas, eu estava a dizer que os intelectuais descobriram a era das comunicações. Sim, a era é de comunicar. Comunicar o quê? Não importa. Qualquer coisa. Comunique-se com um radioamador, eles são sempre interessantes, têm muitos assuntos, sabem das coisas.


Comunique que está pesquisando sobre quem surgiu primeiro – se a concha Cooky ou a Coca-Cola. Comunique que vai ao banheiro. Use todos os meios possíveis para acompanhar o espírito da época. Disque o telefone o dia inteiro, e o pobre do celular, desses que mostram sua fotografia, passam e-mail, têm viva-voz, gravam, fazem misérias. Você sentirá que não está só, porque estranhas vozes entrarão em seu universo acústico, levando-o ao desespero ao perder a linha.


Ligue o rádio, sinta a aldeia global. Ligue a tevê e receba um contingente de mensagens para piorar a sua burrice. Sinta-se feliz. Ligue o som, o aspirador, o forno de microondas, o chuveiro elétrico, a batedeira de ovos, o ferro de engomar, o secador, o ar condicionado. Todos esses ruídos fornecerão a você o certificado de desenvolvimento. Abra o gás. Suas emanações são o incenso do engrandecimento. Sinta-se, enfim, um homem feliz. O progresso das comunicações poupa a você o esforço de pensar.


E mande reverências ao coleguinha Descartes, que pensava assim: penso, logo existo. Com uma diferença: leia atentamente tudo sobre o Congresso Nacional que temos em Brasília e diga assim: penso, logo desisto. E fique sempre a se comunicar, e em paz com Descartes.

PERISCÓPIO

*****Ninguém quer adotar um adulto. Só criança, de preferência loura. Ora, adulto não dá trabalho, e se derrama água no banheiro, não come o sabonete. Adulto ajuda a arrumar a casa e é um bom substituto para o cachorro. A superioridade sobre o bebê é inquestionável. Adote um adulto. Por que não adotar o Daniel Dantas ou o Jarbas Barbalho?


*****Há uma diferença entre o jornalista e o escritor. O que caracteriza o jornalismo é o improviso do efêmero. O que caracteriza o escritor é a tendência para converter o efêmero em perdurável.


*****A esquerda democrática se diz no poder. Outro blefe em relação às expectativas que criou e ao que podia ter sido. Ou talvez esse blefe tenha uma história antiga, e nós não tínhamos notado.


*****Ouvi esta prece de um peregrino que foi à Meca e que passei a empregá-la como complemento de minha oração matinal: -- Meu Deus, livrai-nos das caras tristes!


*****É preciso acender a luz. O Brasil não são apenas pontes, viadutos, hidrelétricas, soja, eletrodomésticos. Deve livrar-se de sua pobreza vergonhosa aos olhos do mundo. Ser justo. E pode ser pobre e decente, sem a corrupção afrontosa que nos separam da multidão infinita dos deserdados.


*****No Brasil, lugar de negro é na cozinha. Os que ousam sair de lá e vir para a sala é porque já deixaram de ser negros. Pouco importa a cor da pele: ser negro é, antes de tudo, ser pobre. Negro rico é coisa rara, causa estranheza. E contra o pobre, sim, branco ou negro, o brasileiro tem preconceito.


*****Odeio puxa-sacos. Sobretudo o sadomasoquista puxa-saco. Na formulação clássica, se deixassem, seguiria o líder ao banheiro e lhe abriria a braguilha.


*****Encerro a coluna ouvindo a voz de Lupicínio Rodrigues, rouca e engraçada, cantando uma das suas obras-primas, Nervos de Aço, um samba-canção de 1947, música surgida depois de uma grande desilusão do autor, quando a mulata Inah, paixão de sua vida, abandonou-o após seis anos de romance. O poeta prometia, prometia, mas não casava...