sábado, janeiro 31, 2009

DOR DE CABEÇA E MISTÉRIO


Eis um assunto de que falo com escandalosa autoridade: -- sofri 30 anos de dores de cabeça lancinantes, sem que nenhum médico, um único e escasso médico, descobrisse as causas. Estou agarrado a escrever o livro Memórias de Uma Cobaia. Vou contar tudo, e mais do que tudo, sem citar, por razões óbvias, o nome verdadeiro dos 28 médicos por cujos consultórios desfilei, aqui e no Rio. Alguns competentes e alguns já morreram.


De um lado, eu, doente, do outro um daqueles médicos que enfeitam o consultório com plantas de plástico. O diagnóstico era o de sempre: “Não vejo nada na minha área que provoque essa dor de cabeça, procure o colega tal...”. Etc.Tenho, em meus arquivos, uma montanha de tomografias – da cabeça aos pés, incluindo os sapatos.


A dor de cabeça arrasava-me, e olhem que não fumo e nem bebo. Remédios fortes, vivia dopado. Eu não dormia, como ainda não durmo, vítima de brutal insônia. Consola saber que, um dia, terei a eternidade para dormir. Devo dizer que a dor me apareceu quando eu ainda morava no Rio de Janeiro, na década de 60, trabalhando no IBAM e na Fundação Getúlio Vargas. Continuou quando me transferi para Fortaleza, em fins de 1973, e a pior fase foi na implantação do Diário do Nordeste, em 1981, em meio a fatos que não estou autorizado a contar.


Eu disfarçava ao máximo para segurar o problema, e segurava pouco, dando sinais de duvidosa competência profissional. Os colegas de nada sabiam. Era um inferno conciliar trabalho e dor. Não sei como ainda consegui, durante dois anos, escrever um editorial por dia e mais a coluna Comunicado. Com receio de prejudicar o jornal na qualidade do meu trabalho, então decidi pedir o boné, montei um escritório em casa.


Agora pasmem e vejam como tudo acabou: -- sem médico, sem remédio, sem nada, de repente, não mais que de repente, as dores desapareceram. Simplesmente. Dores de 30 anos. Como explicar? Não sei, e desconfio de que jamais vou saber. E, vocês vêem, não morri e continuo lindo. Se o prédio, hoje, já meio descascado pelo rigor dos anos, tem um abalo aqui e outro ali, a biblioteca está intacta, perfeita. Capaz de ouvir e entender estrelas.

PERISCÓPIO

***** É Gorki quem nos conta, nas suas memórias de Tolstoi, que ouviu do mestre,

entre outras, esta lição: “A verdadeira sabedoria não é prolixa.

Exemplo: -- Senhor, tende piedade de nós.”


***** Para mim, não é sem uma razão profunda que literatura rima com cultura. Não entendo uma sem a outra. Como reconhecer e proclamar que Quincas Borba é uma obra-prima, se não tenho a consciência de sua grandeza e de sua importância?


***** Não sei onde li que não se pode sair da sombra, mesmo por alguns momentos, sem excitar o ódio alheio. Mas sei que devemos convir em que a luz, em si, é uma recompensa, e que o ódio de alguns já constitui para estes uma forma de castigo, por trazer em si a flagelação do invejoso.



***** Vi, semana passada, no centro da cidade, um senhor bem vestido, de boa aparência, estendido ao comprido do passeio, morto, e dele recolhi esta lição de humildade: cada um de nós deve estar preparado para a eventualidade de morrer na calçada da rua.



***** Resposta a uma leitora sobre ser ou não ser poeta. Há poetas que são apenas poetas quando escrevem um poema. Mas também os que são poetas nas 24 horas do dia. Sempre em transe. Com o gosto perene do sonho. Dormindo ou acordado.



***** Um dia, mexendo em livros, achei esta frase sem achar o autor: “Pior do que ter saudade é não ter do que ter saudade.” Coisa linda, hem?




segunda-feira, janeiro 26, 2009

SOBRA O POLÍTICO DE CLIENTELA


O mundo volta-se para Obama, o primeiro negro no palácio branco. Espera-se dele tudo de bom, a partir da arrumação das contas nos cofrinhos americanos. E ele começa com um grande peso favorável: o apoio das massas a um líder autêntico, inteligente, completo, o mais puro espírito público. Ele é, convém reconhecer, o grande líder que o Brasil não tem.


Sim, e eis a verdade. Neste Brasil imenso, hoje, há crise de líderes, crise de tribunos, de estadistas. De máquinas de pensar que funcionem com toda força. O que temos aí, com as raras exceções de praxe, é o político apenas político, com o tirocínio do político de clientela, mais para atender aos próprios interesses, longe daquele político da doutrina e do embate de idéias, como núcleo de inspiração do poder.


Nosso povo, eterno despolitizado, tem de se guiar pelos políticos profissionais, a se refestelarem com as benesses do Estado, a buscar cargos eletivos como meio de vida, enquanto se agravam os problemas do país. Neste ponto, como em tantos outros, o Brasil não é um país sério, observação que erradamente atribuem a De Gaulle, já que se trata de um desabafo do embaixador Alves de Souza, quando chefiava nossa missão diplomática em Paris, durante a chamada “guerra das lagostas”, entre 1961 e 63.


O certo é que não temos o grande líder, ninguém nem um pouquinho parecido com Obama, o grande político que arrasta multidões à praça e já começa a fazer o que se espera dele. Infelizmente, sobra-nos o grande pilantra, o profissional do voto, desprovido de sentimentos públicos e que faz da carreira política um vergonhoso meio de vida sustentado pelo contribuinte, além do que só cuida das pessoas que pode corromper, na tentativa de salvar ambas as suas caras.


Quase todos eles pensam assim: antes ser um político pilantra e boiar do que afundar com seus bons princípios em volta do pescoço. Ô gente cretina!

PERISCÓPIO

***** Um amigo, assaltado em Paris (eu já fui assaltado em Roma), repete aquilo que todos sabemos: quem viaja deve estar preparado para ser roubado. Se não lhe roubam a mala, batem-lhe a carteira ou o passaporte. No hotel, arredondam-lhe a conta. E se quiser alguma amabilidade remunerada, cuide das gorjetas.


***** Sofro de insônia brutal. Passo a noite com livros e músicas. Na madrugada, fico numa única emissora de rádio, a Verdinha, a escutar, horas a fio, o programa do Moreira Filho, profissional inteligente, culto, divertido, de muito bom gosto em tudo o que oferece aos ouvintes. Devo a ele momentos agradáveis.

***** a) Li não sei onde que um ministro de Lula foi cobrado por um deputado que mudou seu voto para ganhar um cala-boca. O credor lembrou que o governo lhe devia alguma coisa.

***** b) O ministro respondeu: “A dívida é discutível.” Há uma interjeição onomatopaica para designar o vômito. Recuso-me a usá-la.

***** Nunca me dou ao respeito de ler os pronunciamentos presidenciais. São longos, óbvios na mentira e óbvios no sentido mercadológico-eleitoral. Limito-me às frases pinçadas pelos editores ou pelas declarações de viva voz na TV.

***** Quando nossa certidão de idade fica velha, a ponto de rasgar na dobra do papel, nosso corpo protesta, sempre que o obrigamos a nos dar mais do que pode. É como querer acender um cigarro no relâmpago.

sábado, janeiro 17, 2009

POLÍTICOS, TATUS E A VACA LOUCA


É verdade. Não há mais o que se ver nos sertões do Nordeste, a não ser o trágico crescimento da miséria e a destruição da flora e da fauna. Era lindo o tempo dos sabiás, pintassilgos, beija-flores, canários, papagaios, xexéus, o corrupião, o bem-te-vi, a asa-branca, a rolinha, tantos e tantos, milhares, alegres, coloridos. O assunto é profundo e triste, o espaço é pequeno, mínimo.


Vamos só a uns dois exemplos. Em recente viagem a sul do Piauí, vi um tatu atravessando a estrada, à noite, bem à frente dos faróis do carro. Paramos e o deixamos seguir em paz. Só deu tempo fotografá-lo. Quem sabe, fosse o último. Me ocorre agora uma pequena reflexão sobre o tatu, cuja extinção é uma catástrofe.


É a perda de importante elo cultural, símbolo do que temos de mais forte, o fraco Jeca Tatu, consagrado pelo Monteiro Lobato, expressão da pobreza miserável, agora chamada pelos economistas de absoluta. Eu ainda vi, em feiras aqui do Nordeste, tatu orelhado, o tatu vivo, caçado para ser vendido, as orelhas furadas e cruzadas na testa, não lhe permitindo visão. Uma crueldade que virava prato de domingo, com leite de coco, partilhado com visitas. Era o tatu-verdadeiro, ou o tatu-bola, ou o tatu-galinha, já que o peba tinha cheiro ruim, comia defunto.


Vejam outro exemplo, o urubu. Cadê nossos urubus? Acabaram com ele. Seu sistema digestivo foi feito para comer bicho podre e não para respirar ar podre, pois não possui uma coisa que todo bicho tem: septo. Hoje, exportado para a Europa, morreria, pois o ar, ali, poluído, mata até urubu.


Volto ao tatu, já que, como tudo o mais, está em extinção, acho que totalmente. Ele só anda de noite, refugia-se em buracos. A cascavel tem medo dele. É animal ligeiro e, entrando no buraco, mesmo agarrado pelo rabo, não sai. O único jeito é enfiar corajosamente o dedo no suspiro. Ele perde as forças, envergonhado. Tem ódio dos políticos porque só aparecem na feira para comprar tatu e dar de presente a eleitores mortos de fome.


Agora, acabou a farra. O homem continua matando só o homem, pois não há mais outros bichos a matar, muito menos o tatu. Os políticos que se arranjem com a vaca louca.

PERISCÓPIO

***** Lula costuma rir, quando o assunto é crise mundial. E rir quase em deboche, na base das “marolinhas”. Quanto ao aspecto contagioso do riso dele, não devemos temer qualquer represália de palestinos ou israelenses, procedente de Gaza. Se correr, o riso pega; se ficar, o riso some.

***** Somos assim, “não há poder que nos detenha”. É questão de biotipo, problema visceral, fatalismo congênito, trauma umbilical. Fazer o quê?

***** Josué de Castro, que escreveu A Geografia da Fome freqüentando bons restaurantes em Paris, não constatou que o brasileiro tem por lema “primeiro comer, depois filosofar.” Pedro Leandro, em O leite das crianças, que compôs em parceria com Luís Reis, mostra-nos todo um compêndio de sociologia da fome, quando desabafa: “Não se come poesia!”

***** O lançamento do Decálogo, há milênios, o primeiro Código de Direito Civil e Penal, repercutiu como uma bomba perante a sociedade de consumo da época, indecisa entre as ofertas de Deus e as do Diabo. Moisés era um bom sujeito, mas cheio de empáfia. Só conhecia um tempo de verbo: o imperativo. Não faça isso, não faça aquilo, não...

***** O mal dos novos jornalistas é a imodéstia. Mesmo os estagiários têm vergonha de perguntar. Sentem-se humilhados em aprender. Não é curioso?

***** Até hoje não foi possível descobrir, nem mesmo na própria casa, um local seguro para defender o homem da poluição mental que invade os lares, através dos modernos meios de comunicação.

sábado, janeiro 10, 2009

DE DINAMARCA A SERRA LOA


O Brasil é o único país em que, no futuro, todo mundo terá seu retrato numa nota durante 15 minutos. É um país inzoneiro, como na obra imortal de Ari Barroso, um país excitante, cheio de salvadores, pelo menos a julgar o que disseram todos os seus presidentes, sobretudo o atual, o popular Lula, quando dispara improvisos que, se não dão para rir, dão para chorar.


Estamos numa fase – é só analisar os discursos no Congresso – de nunca acordar dois dias seguidos no mesmo país. Não sabemos em que país estaremos vivendo depois de Lula, com novo presidente, novos governadores, senadores e deputados. Pode ser um e pode ser o seu contrário, ou pode ser uma reprise. Mas, depois de ler as notícias publicadas no dia-a-dia da Imprensa, o Brasil, todos dizem, é um país de formidáveis e imbatíveis corruptos. O próprio governo dá maus exemplos, extravagantes exemplos.


Há corruptos em diversos ministérios, cada um agindo em faixa própria. Eles se ressentem até da falta de normas. Muitos não realizam todo o seu potencial porque não sabem até aonde podem ir. Como quase não são denunciados e, quando isso ocorre, dificilmente punidos, os corruptos brasileiros não têm parâmetros para julgar seu trabalho. Não há reconhecimento para o efeito multiplicador da corrupção na economia.


Lula, com sua impressionante popularidade, já pensa em monarquia. Na verdade, como na França de De Gaulle, ele é único. É o único primeiro, e não há segundo. Queremos experimentar de tudo, provar de todo o vasto banquete de possibilidades que é a vida. Parlamentarismo? Não sabemos bem o que é, mas parece interessante. Presidencialismo? Deve ser divertido. Manda. Ah, é o que está aí? Então vamos criar o inusitado. Por exemplo, o Ministério da Corrupção.




Em Brasília, nenhum espanto, surpresa com o novo ministério. Tudo regulamentado, não faltaria quem se prontificasse a assumir a nova pasta, até de graça, só para ter o ponto. Como que dormir uma noite na Dinamarca e acordar e se fixar em Serra Leoa. Manda.

PERISCÓPIO

**** Em uma sociedade de bêbados e de escritores por uma noite, só posso dizer o seguinte (dois pontos): a verdadeira glória é não poder ir mais às festas em que o homenageado é ele.

***** O sujeito que derruba um belíssimo pé de mogno e vende a preciosa madeira para americano fazer móveis de luxo, esse desgraçado merece o quê? A guilhotina. Assim os que matam o ipê, o jatobá, o cedro etc. A Amazônia está entregue à moto-serra desses criminosos, alguns encorajados pelo governo. Como dói!

***** Na Praça do Ferreira comentam que Cid Gomes deixaria o Iracema pelo Senado, abrindo caminho para Dr. Tasso governar o Ceará pela quarta vez. Tasso nem sabe se existo, mas eu votaria nele. E, caso saísse candidato, votaria também em Ciro, que eu considero um dos políticos mais completos do país.

*** Se o PT se unir e estiver fortalecido na capital e no interior, não meto a alma no inferno ao afirmar que Luizianne, com chances, pode igualmente tentar o Iracema. Daí a briga por causa do vice. Na política, 2009 e 2010 serão fascinantes.

***** A única vantagem da esquerda brasileira sobre o cachorro chutado é que, como vive dividida em facções, tem o consolo de poder morder a si mesma. Para se vingar.

**** Antigamente era Pelé, Garrincha, Didi e outros gênios. Poucos, mas era o mais lindo futebol do planeta. Amarravam as chuteiras com as veias dos pés. Hoje é a mídia e os cartolas. Uma fábrica de pernas-de-pau.

sábado, janeiro 03, 2009

REFORMA ORTOGRÁFICA, BASBAQUICE


A última, no fervor da redentora de 64, assinada por essa respeitável figura de militar, político e intelectual, Jarbas Passarinho, foi feita a toque de caixa, com base na Lei 5.756, de 18 de dezembro de 1971. Mal entrou em execução, permitiu que se detectasse um sem-números de palavras homógrafas que, além da exceção oficialmente consentida do pôde, por oposição a pode, não podiam passar sem o diferencial. Uma história comprida e bem conhecida.


Eu quero dizer aqui que, com reforma ou sem reforma, continuarei escrevendo do jeito de sempre. Não prestarei concursos e nem os copidesques do Diário do Nordeste vão me arrastar pelos cabelos. Para os diabos, a reforma.


Estou convencido, cada vez mais, que o brasileiro tem horror à própria língua. Se lhe fosse permitido escolher, preferiria qualquer outro idioma, até mesmo o sânscrito, o iídiche, o patoá, o banto. Conquanto não fosse português, pouco importaria que se tratasse de língua morta, extinta ou dialeto. Por força do colonialismo cultural, acentuado pela linguagem mercadológica dos veículos de comunicação, de muito bom grado a opção brasileira recairia sobre o inglês – não o de Oxford, mas o da Praça Mauá.


Em que vai dar a tal reforma? Em nada, claro, a não ser engordar as contas dos livreiros de plantão. Hoje, os poucos jovens que se detêm na literatura em língua portuguesa compram livros como quem compra remédios. Levando a receita. Sem dúvida, é um benefício que a Universidade está prestando, ao indicar o medicamento adequado para a ignorância endêmica e a estupidez epidêmica. Ninguém dá a mínima para as contra-indicações, e ingerem a droga de maneira errada.


Agora, os basbaques de Lula entoam hosanas com a tal reforma ortográfica. E o que temos aí não passa do acanalhamento do idioma. Pode parecer que estamos dispostos a defender a retórica ou o preciosismo. É isso. O argumento indefectível dos pascácios é esse. Não nos tacham de gongóricos porque não sabem quem foi Gôngora.

PERISCÓPIO

**** Embora com atraso, ficamos sabendo que Lula anda de beicinho com o ministro Carlos Minc, aquele do colete de Tom Mix. Tudo por causa do crescente agravamento dos problemas na Amazônia. O presidente estaria com saudades da eficiente e serena Marina Silva.

***** No livro Deu no New York Times, o autor, jornalista Larry Rohter, revela fatos sobre a Amazônia jamais publicados na imprensa brasileira. A coisa é feia.

***** Uma vez fiz uma fantasia. Imaginei que um dia acordaria e o Brasil, de tanto desenvolvimento com Lula, teria se transformado na Dinamarca. Por um dia só, claro. No dia seguinte seríamos uma Serra Leoa.

***** “Quando eu via toda aquela gente / no come que come, / eu juro que tinha saudade da fome, / da fome que eu tinha no meu Ceará.” Esses versos do “Pau de Arara”, gravado por Ari Toledo, são de – imaginem! – Vinícius, o poetinha.

***** Não devemos ter receio de falar sozinho, à falta de um interlocutor. Antes endoidecermos para os outros, que de longe nos observam, do que endoidecermos para nós mesmos, calando o desabafo.

***** Os notórios ladrões deste país podiam ter se aposentado com a metade do que tinham antes de roubar. Mas a fome era maior. Eles não tinham o que no fundo todos nós queremos – tudo. Mas a gente se controla.