sábado, junho 28, 2008

PARA QUE SERVEM OS VICES? (II)


Semana passada expliquei aqui a origem do vice, cargo criado pela constituição americana de 1787. E historiei os vices americanos e brasileiros que se tornaram presidentes. Prometi falar nos mais recentes vices do Ceará, e aqui estou. Alguns assumiram o governo efetivamente. Em nenhum caso, pela morte do titular, mas pela renúncia, a fim de concorrerem a outros cargos eletivos.

Foi assim com Stênio Gomes, que substituiu Raul Barbosa e completou-lhe o quadriênio iniciado em 1950. Em seguida, Flávio Marcílio assumiu o governo para concluir o mandado de Paulo Sarasate. Franklin Chaves, por ser presidente da Assembléia, já que o vice de Virgílio – eleições de 1962 -- Figueiredo Correa, não quis substituí-lo para não se tornar inelegível, foi governador apenas um mês e passou o cargo ao professor Plácido Castelo, que assumiu o governo em setembro de 1966, ao lado do vice, general Humberto Ellery.


Plácido passou o o comando ao coronel César Cals Filho (1971-1975), com o vice, também coronel, Humberto Bezerra, irmão gêmeo de Adauto, que foi o próximo governador, renunciou antes de completar três anos no poder para cuidar de assuntos particulares e passou o cargo para o vice, Waldemar Alcântara. Virgílio voltou ao Abolição em 1979 e renunciou em maio de 1982 para ser senador, também pela segunda vez. Assumiu o vice, Manuel de Castro, que ficou dez meses no poder e preparou a eleição de Gonzaga Mota (o senador José Lins Albuquerque esperava ser o contemplado), que acabou eleito com o apoio de Virgílio, Adauto e César, nascendo daí o histórico “Acordo de Brasília” e dos 33% dos cargos para cada um dos três coronéis-caciques.


Os gaiatos inventaram logo que Gonzaga ficou com o 1%, a fim de nomear a primeira dama... Mas Gonzaga logo rompeu com eles. Na seqüência, entra em cena o empresário Tasso Jereissati, eleito governador em 1986, pelo PMDB. Em pleno governo, ajudou Ciro Gomes a se eleger prefeito de Fortaleza, substituindo Maria Luíza Fontenele (PT). Ciro passou apenas 14 meses na prefeitura e saiu para ser governador, em 1990, já agora pelo PSDB e sempre pelas mãos de Tasso. Pouco antes de terminar o mandato, Ciro renunciou para ser ministro da Fazenda de Itamar Franco, coroando uma fulminante carreira política. O vice, Lúcio Alcântara, não pôde assumir, pois era candidato ao Senado, e então o deputado Francisco Aguiar ocupou o governo por 84 dias, presidente que era da Assembléia.

LUTA DESIGUAL


Entre os altos espíritos que profundamente me marcaram, coloco o escritor Humberto de Campos (1886-1934) entre os primeiros. Nunca o li ou reli que não sentisse, no mesmo instante, o cérebro em movimento, ora para concordar com ele, ora para discordar. Membro da ABL muito jovem, deixou-nos 40 volumes em obras-primas. Suas Memórias e seu Diário Secreto sacudiram o país.

Foi escritor mais lido de sua época. As qualidades da sua prosa são das mais fluentes e mais inconfundíveis da nossa literatura. Morreu numa mesa de cirurgia, enquanto os médicos tentavam lhe abrir o cérebro para corrigir uma irregularidade na hipófise, essa pequenina glândula situada no meio do crânio, responsável pelo comando de tantas funções importantes do corpo. Cinco cirurgiões fizeram parte da delicada operação.

Antes da anestesia geral, um deles perguntou ao escritor: “E então, meu caro, está com coragem?” Humberto deu um sorriso de canto se boca e respondeu: “Coragem uma ova. Estou morto de medo. É uma luta desigual. São cinco contra um...”

PERISCÓPIO

+++ Um amigo me telefona para dizer que está passando pela melancolia dos 80 anos. Na família, eram muitos irmãos, e só resta ele. Sente-se traidor da família, vivendo mais do que eles.


+++ O homem deve ser decente, digno, inteligente. E bonito. E alto. E rico. Fora disso, terá graves problemas para ser alguém, a não ser que nasça como jerimum ou tenha vocação para jaboti no topo da árvore. É difícil aparecer um Sammy Davis Jr. Lembram?


+++ Estou aprendendo, finalmente. Enxugar o estilo sempre, após a fluência natural. De modo que só restem no texto as palavras essenciais. Depois, tirar aqui uma, ali outra, para ter a certeza de que, sem elas, o texto não tem sentido.


+++ Eu cada vez mais me convenço de que cabe aos que têm um pouco de êxito o ônus de pagar a conta do fracasso alheio.


+++++ A experiência me ajuda a observar que, em política, cuidamos somente das pessoas que podemos corromper.

sábado, junho 21, 2008

PARA QUE SERVEM OS VICES?


Vocês acompanharam as dificuldades que tiveram os candidatos a prefeito de Fortaleza para encontrar o vice de cada um. Não foi fácil, como não é fácil para governador e, pior ainda, para presidente da República. Por que isso? A discussão, sobre eles, em toda parte, não é nova e chegou ao Brasil com mais de 200 anos de atraso. Nasceu na constituição americana de 1787, quando o cargo foi criado. Muitos o consideram desnecessário, um prêmio de consolação.

Os vices, contudo, sobrevivem até hoje, e dos 44 vices dos EUA, 13 se tornaram presidentes. Oito, por morte do presidente, um eleito pelo Congresso (Gerald Ford) e quatro na disputa do cargo. No Brasil, Floriano Peixoto, Nilo Peçanha, Delfim Moreira. Café Filho, João Goulart, Sarney e Itamar chegaram à presidência.

O cearense José Linhares, em novembro e dezembro de 1945, assumiu o cargo, com a queda do ditador Vargas, pois era presidente do Supremo, e depois passou a faixa presidencial ao general Dutra, em 1º de janeiro de 46. Pedro Aleixo, quando morreu Costa e Silva, do qual era vice, não assumiu, impedido pela ditadura militar. Vices, também, Afonso Pena e Venceslau Brás disputaram a presidência e foram eleitos.

No Ceará, alguns vices assumiram o governo. Mas essa parte fica para o próximo domingo. O tempo mostrou, como se vê, que – ao contrário do que parece – o vice tem sua importância no sistema constitucional. Uma espécie de âncora nas crises. De um cargo questionado, passou a ter uma visibilidade extraordinária.

PERISCÓPIO

++ Poucos percebem. Estávamos no mundo para fazer espermatozóide. A Capela Sistina, a Nona Sinfonia, a Itaipu Binacional, foi tudo produção secundária, tudo bico. Nossa missão era fornecer espermatozóide. Nossa missão acabou.

++ Soa esquisito Machado de Assis se chamar Joaquim Maria, pois não é comum a associação dos dois prenomes. Mas há uma razão. Joaquim Maria foi a associação do prenome de seu padrinho, Joaquim Alberto da Silveira, e do prenome de sua madrinha, Maria José de Mendonça Ramos.

++ O maior brilho do Barão de Itararé era compor sua graça de observações lógicas de fatos corriqueiros. Como nesta definição: “Negociata é um negócio para o qual não fomos convidados.”

++ O pobre-diabo pensa que sabe escrever. Não sabe. Sem ter o que fazer e dinheiro no bolso, vive a lançar livros com suas tolices e erros de português. Em vez de correr atrás de dar autógrafos, devia comprar uma gramática. Embora saiba (creio) que burro velho não aprende a marchar.

++ Todo educador bem devia armazenar na memória, como guia e alento de seu ofício, esta conclusão de Helvetius: “Para a educação, nada é impossível: é ela que faz dançar os ursos.”

++ Há os que viajam para ver e os que viajam para ser vistos. Os primeiros se comprazem nas próprias emoções. Os segundos se deliciam em humilhar o próximo, na hora do regresso, com o relato do que viram e especialmente do que não viram. E chateiam meio mundo com aqueles álbuns de viagem.

sábado, junho 14, 2008

MACHADO, LIÇÃO CRUEL


Eu avisei. Neste ano do centenário do nosso escritor maior, muitas vezes vou falar nele. Se tiver tempo e espaço, mais de muitas vezes. Da pena de Machado conheço, por exemplo, uma das mais pungentes lições da condição humana, que é certamente a do apólogo do almocreve.

Brás Cubas, o das “Memórias Póstumas...”, é atirado da sela de um jumento, sem tempo de livrar do estribo o pé esquerdo, correndo assim o risco de ser arrastado, despenhadeiro abaixo, quando um almocreve, que estava perto, saltou, agarrou a rédea, contendo o animal. Como recompensa, Brás Cubas pensou em dar ao homem três moedas de ouro, das cinco que levava. De costas, ia tirar as moedas de um colete velho, quando refletiu que devia dar menos, já que o almocreve estava ali por um favor da Previdência. Acabou por lhe dar um cruzado de prata. E logo reconheceu que podia ter dado uma moeda de cobre, visto que o homem, com a moeda de prata, parecia contente demais.

Afrânio Peixoto, inspirado nesse apólogo, deu-lhe uma dimensão nova, num dos seus romances. Ele encontra um mendigo e ficou com pena de haver no mundo alguém infeliz. Procurou um níquel no bolso, tinha apenas uma moeda de prata, grosseira e pesada. Sem se deter, deixou-a cair na mão estendida e foi embora. Alguns passos adiante, ouviu um tinido metálico na pedra e, curioso, resolveu olhar: era o mendigo, desconfiado da generosidade, que ensaiava a moeda na calçada...

Ainda assim, a lição mais cruel é a de Machado.


PERISCÓPIO

++ Ler jornal é uma coisa. Livro, outra, e bem diferente. O primeiro, faz parte do café da manhã. O segundo, faz parte de nossa vida.

++ Foi numa cervejaria de Munique. O proprietário, de tão feliz pelo encontro com o grupo de brasileiros, recordou suas andanças pelo nosso país. E me levou a perguntar o que mais lhe marcou nas viagens ao Brasil. A resposta foi lírica: “É aquele iskulambaçón! Qui iskulambaçón!”

++ Lembrete aos políticos – já que agora têm de permanecer no mesmo partido, acabou o muda-muda de antigamente, é preciso, de vez em quando, mudar ao menos de opinião.

++ Não é possível que Deus tenha feito de cada um de nós um desperdício, para, no fim de tudo, nos reduzir a pó, jogando-nos no monturo.

++ Há muita gente que é honesta, não por formação, mas por esperteza. Porque a honestidade, no Brasil sobretudo, é também uma forma de ostentação. Faz questão de aparecer, de proclamar-se, de ser conhecida. Tenho horror a esse tipo de honestidade. É cabotina, honestidade de anúncio, como se fosse um bem pessoal.

sábado, junho 07, 2008

OBAMA, 1º SOBRINHO NEGRO DE TIO SAM


Barack Obama, é quase certo, será o primeiro negro a presidir os EUA. Tem tudo para ser o candidato democrata ao mais cobiçado cargo do planeta. Jesse Jackson, em 84, um ministro batista negro, chegou perto de ser candidato. Venceu cinco primárias. Em 88, levou 11 Estados.

E o único prefeito negro da história de Nova York, David Dinkins, governou de 1990 a 1993, uma administração marcada por violentos conceitos étnicos. Agora vem Obama, e vem forte para presidir um país em boa parte racista, que já matou o líder negro Luther King (1968), Prêmio Nobel da Paz (1964).

Os americanos já viram quatro dos seus presidentes assassinados: Lincoln (1865), James Garfield (1881), McKinley (1901) e Kennedy (1963), isso sem falar nos atentados que sofreram Andrew Jackson, Truman, Gerald Ford e Reagan. Uma estatística meio sinistra.

No Brasil, depois da Guerra de Canudos, o presidente Prudente de Morais, no dia 5 de novembro de 1897, sofreu um atentado, que não o atingiu em nada, mas acabou por matar seu Ministro da Guerra, Carlos Machado Bittencourt. No aeroporto de Recife, em julho de 66, maletas com explosivos foram utilizadas contra o presidente Costa e Silva. Mas nada se compara à violência dos americanos.

Obama sabe disso e, ainda mais por ser negro, há de tomar precauções redobradas, se de fato, como tudo está a indicar, for eleito presidente dos Estados Unidos. Não sabemos o que será feito de Hillary, que apóia Obama, mas não quer saber da vice-presidência, embora esteja disposta ao que for de seu alcance para manter os democratas no poder.