sábado, maio 31, 2008

ROUBARAM MINHA BICICLETA!


Quando menino, nunca tive uma. No Natal, minha mãe dizia que aquilo era presente de rico. Eu chorava e, um dia, ela também chorou. Meu pai, no entanto, tempos depois, eu já rapazola, me surpreendia com uma Raleigh “legitimamente inglesa” e novinha em folha, uma novidade na minha pequena Teresina. Foi um sucesso. Passei anos com ela, até ficar para minha irmã mais nova.

Pois agora o caseiro me diz, em tom dramático, que levaram a dele. Não sei explicar, mas algumas bicicletas já roubaram de pessoas que trabalharam em minha casa. Dezenas são roubadas por aí, todos os dias. Desde que apareceu, em 1816, pelas mãos do francês Joseph Niepce, até chegar aos pneus de John Dunlop, 16 anos depois, a bicicleta tem sido útil ao mundo inteiro, brilhando nas academias de ginástica, recomendada como exercício destinado à boa forma.


Carlitos fez o diabo com ela. Odylo Costa, filho, talentoso jornalista e escritor de saudosa memória, dizia que, ao morrer, levava duas frustrações: não falar inglês e não andar de bicicleta. Vittorio de Sica fez o mundo chorar com o seu clássico “Ladrões de Bicicleta” (1947), a história de um desempregado cuja bicicleta lhe é roubada no primeiro dia de trabalho. Sem ela, perderia o emprego. Uma obra-prima.

Acho que vou ter de arranjar um meio de comprar uma para o caseiro. Quem sabe, o cartão corporativo me ajude. Porque, sem ele, sem essa prerrogativa do querido Lulinha, não dá nem para encher os pneus carecas do velho carro.

sábado, maio 24, 2008

SAI O CANTO DO UIRAPURU, ENTRA O BERRANTE


Querem acabar com a Amazônia. O pecuarista, o agricultor, o latifundiário, o rei do gado. O governo olha, sacode a pança, balança a cabeça para os lados e deixa tudo pra lá, com criminosa indiferença. Todos sabem que a pecuária altera o sistema hídrico da região e que as pastagens alteram profundamente as microbacias das regiões onde estão instaladas.

Se a floresta protege os pequenos cursos d´água, as pastagens os expõem ao sol, à erosão e à força da água rolando sobre as trilhas que o gado inventa. Parece um assunto de menor importância, mas não é. Já fui três vezes à grande floresta. Uma das vezes, novembro de 1971, na companhia de vários coleguinhas da imprensa carioca, vi a serra elétrica derrubar uma castanheira de 60 metros de altura, na presença do presidente Médici, do ministro Mário Andreazza e de outros grandalhões da ditadura.

Era o marco inicial da construção da Transamazônica, uma megalomania estúpida que acabou em lama e jogou mundo afora bilhões de nosso pobre dinheiro. História conhecida. Agora querem trocar o verde, patrimônio da Humanidade, pelo boi, pelo pasto, pela soja. A conversão da floresta tropical por pastos aconteceu em menos de uma geração. Como o processo continua, e crescente, a próxima geração verá o planeta carne comer metade da Amazônia.

O berrante vai substituir o canto do uirapuru, que – segundo a lenda – quem o ouve é feliz para sempre.

domingo, maio 18, 2008

AMOSTRAS DA CIVILIZAÇÃO URBANA



O que nos penitencia dos pecados do poder é que, mesmo alçados a posições andinas, somos, no fundo, sujeitos simplórios. Somos todos JKs, que sempre dava um jeito, em qualquer cerimônia oficial, para tirar discretamente o sapato e aliviar a Nação de seus problemas. Simplórios, sim, mas com todas as veleidades inerentes aos subdesenvolvidos. A prova disso está no episódio que vou contar.

Dois engenheiros franceses, a serviço do governo brasileiro, foram à selva amazônica (que estão destruindo para acomodar o boi), na esperança de abrir novos horizontes para os motoristas de caminhão que fazem o trajeto. Acostumados ao desconforto das metrópoles, desprovidos da sua dose diária de poluição e entediados pelo déficit de decibéis peculiar à selva, os engenheiros pediram a uma velhinha em seu casebre de madeira no meio do caminho que lhes indicasse como chegar à cabana deles, onde dispunham de algumas amostras da civilização urbana: o computador portátil, a internet, o barbeador de pilha, a TV. Etc.

A velha, com aquele rostinho de maracujá de gaveta, limitava-se a acenar afirmativamente com a cabeça, como se aprovasse, apenas, a situação. Os franceses, porém, insistiram tanto que ela acabou tirando o pito da boca e, voltando a cabeça para dentro do casebre, soltou o berro: “Robespierre! Ó menino! Acode aqui os moços!”.

E eu pergunto: expliquem-me, por favor, quem teria tido a idéia de tocar a “Marselhesa” num forró de Jequié?

sábado, maio 10, 2008

O SORRISO DA HIENA


Mulher ferida não é brincadeira. Pior do que a mulher do homem, só a ex-mulher do homem. A historinha que vou contar é verdadeira. Passou-se com um empresário tratado pelos amigos por “rabo-de-saia”, tal a loucura por mulheres. Convidado para uma reunião no Rio, de lá voltou apaixonado por uma loura de arrebentar quarteirão, como faz a ronda policial do governo.

Dessa paixão resultou uma correspondência exaltada, com amor para lá, para cá, meu lindo, minha Xuxa de 20 anos, meu pé de laranja-lima, bjssss. Um dia, ao entrar em casa, encontrou a “legítima” de cara amarrada. Viu em seu colo as cartas do dia e, sobre as outras, a carta amorosa, na letra inconfundível.

A mulher confessou-lhe ter lido tudo e até mesmo providenciado o pedido da sirigaita carioca, que desejava uma coisa íntima dele, como lembrança. Acabara de postar no correio, via Sedex, a velha dentadura que ele não usava mais. E passou a gargalhar sem parar da vingança, orgulhosa de criatividade tão singular.

Moral da história: nada de guardar dentadura velha, que só serve para rir à toa, longe do dono. Desde então, ele só recebe da mulher o sorriso da hiena.

domingo, maio 04, 2008

ALMA AO DIABO


Lembro um político influente que exigiu da Rede Globo a demissão de um coleguinha jornalista que ironizou-lhe os cabelos pintados e o bigode ralo, em tom de simples brincadeira. Mas o fato é que o rapaz perdeu o emprego por causa dessa vaidade besta. Bom, é verdade que todo mundo quer ser jovem, mesmo quando ilude os outros pintando os cabelos.

No íntimo só engana a si mesmo. As pernas cansam, as juntas estalam, sobrevém um certo tédio diante das novidades. No entanto, a sós, a um canto, suspira pelos dias de outrora, com aquela saudade de si mesmo a que se refere Machado de Assis no “Memorial de Aires”. Ao morrer, ele tinha 69 anos, e era bem um velho, na postura, no traje, nos cabelos, na barba, no píncenê de trancelim.

Queria ser conselheiro. O Conselheiro Machado de Assis. Tardando o título, por distração do Imperador, deu-o ao seu derradeiro personagem, o Conselheiro Aires, alter-ego do diplomata que seu autor poderia ter sido.

Eu, de mim, para prolongar a juventude, sem precisar tingir os cabelos, nem o bigode e nem a barbicha, fiz o que fez Dr. Fausto, no poema de Goethe: vendi a alma ao Diabo.