sábado, janeiro 27, 2007

SAUDADE

Semana passada, mexendo em livros, achei esta frase sem achar o autor: “Pior do que ter saudade é não ter do que ter saudade.” E é verdade. A saudade não pesa, não ocupa espaço, e é de uso privativo. As melhores saudades são aquelas a que está associada â pessoa amada. Pedem silêncio. Silêncio de nós mesmos.

ANEL DE DOUTOR


Cada um de nós, escritores, é um autodidata, mesmo quando pode exibir seu anel de doutor. Não foi por ter sido médico que Joaquim Manuel de Macedo escreveu A Moreninha. Nem tão pouco por se ter formado em Direito que José de Alencar escreveu O Guarani. Qual o título de Cruz e Sousa ligado à sua obra poética? Não foi por ter estudado em Coimbra que Gonçalves Dias escreveu Y Juca-Pirama. Assim como não foi o diploma de farmacêutico que fez de Drummond o grande poeta do Modernismo. Só os bobos não pensam assim.

ÀS FAVAS

Já tive um vizinho que tinha, no vasto quintal, uma bela faveira. Um dia, data do meu aniversário, ele colheu umas, das mais avantajadas, e embrulhou-as juntando uma quadra jovial (gostava de fazer versos). E ele mesmo fez questão de levar-me o presente pessoalmente. Tocou a campainha, e fui atendê-lo: “Bom dia, Hélio. Meus parabéns. Não querendo mandar você ir às favas, trago estas favas para você...”

terça-feira, janeiro 23, 2007

CRIADO

Acontece com a grande maioria. Como prefeito ou vereador, deputado ou senador, fariam um papelão. Mas como criado de quarto, seriam perfeitos.

CONSELHEIRO

Machado de Assis, ao morrer, em 1908, tinha 69 anos, e era bem um velho, na compostura, no traje, nos cabelos, na barba, no pincenê de trancelim, Queria ser conselheiro. O Conselheiro Machado de Assis. Tardando o título, por distração do Imperador, deu-o ao seu derradeiro personagem, o Conselheiro Aires, alter-ego do diplomata que seu autor poderia ter sido.

ELEGÂNCIA

O povo brasileiro anda irritado. Por qualquer coisa, larga um “vá para o inferno”. Devia ser mais elegante. O Diabo manda Deus pro inferno, mas de modo elegante: “Apareça lá em casa...”

ESCREVER FÁCIL

Traduza-se, alhures, alguém obtemperar, de inopino, de forma assaz peremptória, que é improfícuo o embate, a gente, de bom alvitre, se escafede junto ao Planalto, não obstante o óbvio e ingente afã de ir à liça.

PRESSA

Acabo de conhecer um executivo que tem uma particularidade curiosa – é um homem sempre apressado, sem ter nada o que fazer.

segunda-feira, janeiro 22, 2007

Abaixo Nosso Idioma


O brasileiro não suporta a sua língua. Se fosse permitido escolher, preferiria qualquer outro idioma, até mesmo o sânscrito, o latim, o hebraico, o iídiche, o patoá, o banto. Conquanto não fosse português, pouco importaria que se tratasse de língua morta, extinta ou dialeto.

Por força do colonialismo cultural, acentuado pela linguagem mercadológica dos veículos de comunicação, de muito bom grado a opção brasileira recairia sobre o inglês. Coramos de pudor, criando situações embaraçosas para nós próprios, toda vez que não conseguimos atinar, de público, com o significado de uma expressão anglo-saxônica, e nos mortificamos de despeito por não conseguir escrever com sotaque nova-iorquino uma ode olímpica do Beach Park.

Não por veneração ao reverenciado idioma de Shakespeare, mas por mera subserviência ao sentimento mercantil do multinacionalismo lingüístico. Não importa mais pronunciar corretamente o nome da Condoleeza Rice. O Itamaraty vai acabar deixando o brasileiro entregue ao nosso abominável português, que ninguém sabe nem quer saber.

Quem, hoje em dia, conhece mais de dez substantivos, vinte adjetivos e uns poucos acessórios gramaticais, é objeto de suspeita. E quem, além de entender, tem o desplante de empregar o termo exato na ocasião oportuna, chega ao índex. Está na hora de o Itamaraty adotar o tupi-guarani como idioma oficial em seus quesitos eliminatórios.

Acabem o inglês, porque o português já acabaram. Fiquemos no guarani. Os artífices de nosso idioma, a pretexto de exibir uma espontaneidade que lhes falta, mutilaram a generosa língua portuguesa, com essa doce irresponsabilidade dos gênios suburbanos.

Prova de Existência


Fui fechar um negócio. Arrumei a mala de documentos. CPF, identidade, Pis, Pasep, cartão de crédito, cheques, passaporte, vale-transporte, SPC, vale-refeição, habilitação, FGTS, carteira profissional, título de eleitor, certificado de eleitor, certificado de reservista, certidão de nascimento, certidão de casamento, comprovante de residência. Tem mais? Ora se...

Vem do berço, e aí somos nascituros. Quando a morte chega, viramos féretros, passando pelo atestado de óbito. Se casamos, somos cônjuges. Solteiros, celibatários. Nos bancos, além dos juros, nos atacam de inadimplentes, sacadores, endossantes, tomadores. Etc. No edifício, chamam a gente de condômino, ou inquilino, ou locatário. Poeta é tudo, vate, menestrel, bardo, trovador, maluco.

Ou seja, pobres mortais como nós não passamos de usuários, optantes, aficcionados, litigantes, querelantes, contribuintes, circunscritos, separados, beneficiários, convocados, confrades, correligionários, pensionistas, cooperativados, sindicalistas, sem-terra, sem-teto e vai por aí.

Ora, apesar disso tudo, somos apenas gente. Nosso nome mesmo, o do batismo, não importa muito. Até porque eles sempre acabam sendo bem mais felizes que nós.

Cartão

Um amigo, grande cartunista, me manda um cartão de Natal, onde dois bonecos conversam. Um, diz: “Ouço passos.” O outro pergunta: “Será o Hélio?”

Plano


O velho sabichão Adhemar de Barros, que governou São Paulo nos idos de 50 (articulou o movimento de 64, depois foi cassado e perdeu os direitos políticos por 10 anos), tinha na prateleira sempre uns planos, encadernados, cheios de gráficos. Servia-se deles em ocasiões próprias. “É para enganar trouxa”, dizia. E a toda comissão de organismos internacionais que lhe queriam saber as intenções, ele gritava: “Ô aspone! Traga o plano!”

Os trouxas continuam aí, e os planos também, governo a governo.

Vende-se

Outro dia, precisando de dinheiro (todo dia eu preciso), telefonei para o Instituto Oswaldo Cruz e tentei vender meu cérebro. Quem sabe, vendido à ciência, daria para alimentar vários ratinhos de laboratório durante uma semana, ou um pouco mais. Ninguém me respondeu nem telefonou.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

SEM CONTROLE

A violência está desfigurando o Brasil, corroendo nosso estilo de vida, ameaçando a fisionomia de uma pátria de irmãos. De repente, em poucos anos, tudo mudou. Somos um povo com medo. Um povo que se sente ocupado pelas hordas de um particular apocalipse.

Nas grandes cidades há quem mate por um pão, há quem mate por nada. Desataram-se os instintos, e a violência não repara suas vítimas. Morrem ricos e morrem pobres, e em torno das residências cavam-se fossos e se levantam guaritas, ou pesadas grades que encarceram o sino.

O ministro Tomás Bastos é de uma piedosa incompetência para lidar com o problema. Vive de criar siglas que asseguram acabar com a violência. “Determinei à Polícia Federal que...” Etc. Não determinou nada e não acontece nada.

Ele não se lembra, nem o governo a que pertence, que o combate à violência começa pela proteção da infância. Enquanto houver uma criança abandonada, no Brasil, haverá sementes de ira. A violência – Lula e nem Bastos sabem disso – em última análise, é uma busca da morte. O Brasil não é país destinado a essa procura trágica.

quinta-feira, janeiro 04, 2007

VEADO?

Um leitor me pede para repetir este episódio. Aí vai. Abril de 1966. No mesmo xadrez do DOPS, quatro figuras cassadas pela “rendentora”: Carlos Lacerda, Mário Lago e Caetano Veloso. Entra um capitão do Exército, espumando de poder, e se dirige a Lacerda, arrogante:

-- Dr. Lacerda, o senhor que sabe das coisas. É verdade que esse Caetano Veloso, como dizem por aí, é veado, dá mesmo o rabo?

Tranqüilo, Lacerda limpa os óculos com a ponta da camisa suja e responde:

-- O Caetano? Conversa da maricada, meu capitão. O Caetano, que conheço desde menino, jamais foi veado. O Caetano é civil...

O PAPA ERRA


Os jornais deram a manchete: “João Paulo diz que a Igreja caminha para a autodestruição.” O Osservatorio Romano, comentando o fato, limitou-se a dizer “que o Papa também erra”.
E eu fiquei a torcer para que Sua Santidade tivesse realmente errado na sua conclusão sobre o destino da Igreja. Antes reconhecer que o Papa é falível do que ter a certeza e que está indo a pique a barca de São Pedro – de que sou também passageiro.

O DESABAFO

Não tenha receio de falar sozinho, para aliviar-se, caso lhe falte, no momento, o interlecutor adequado. Antes endoidecermos para os outros, que de longe nos observam, do que endoidecermos para nós mesmos, calando o desabafo. Quem manda alguém à merda, em ocasiões assim, tem a imensa vantagem de não receber o troco, sujando-se também.

CONGRESSO

Nunca o Congresso Nacional terá uma oportunidade tão grande e tão relevante de se levantar, diante da sociedade, acabando a podridão que quase o arrasa por completo. Resta-lhe, a partir de 2007, estar à altura do desafio que terá à frente. Organizar sua agenda, uma agenda positiva, e marchar para concretizá-la. O ambiente estará a favor dessa solução, com deputados e senadores renovados e mais do que nunca fiscalizados pela sociedade.

Ninguém conte com o presidente Lula. Ele jamais demonstrou e explicitou seu desejo de colaborar em um projeto dessa magnitude. Seu governo corre perigo sem o Congresso corrupto que sempre se ajoelhou diante de seu despotismo. (foto do Congresso)

TRILHA

Comparo aos burros os que ouvem os aduladores, porque, como aqueles, deixam-se levar pelo cabresto aonde quer o burriqueiro. O PSDB no Ceará segue essa trilha.

ARTE

Getúlio tinha suas tiradas. Algumas inteligentes e bem espirituais. Um dia, dando baforadas no seu charuto no Catete, ainda ditador, um repórter lhe pergunta o que achava sobre política. O velho caudilho tirou os óculos e observou:

-- A política é a arte suave de obter votos dos pobres e fundo dos ricos, prometendo a cada grupo defendê-lo contra o outro.
E deu sua famosa gargalhada, ao lado de Alzirinha, a filha querida.

PARTIDOS

No Brasil, não há tradição partidária. Aqui, nada mais parecido com um conservador do que um liberal. Os nossos partidos sempre foram locais, estaduais. Nabuco já falava nisso. No Império, os partidos eram ficções; na República, nada mudou. Na área federal agrupam-se entre governo e oposição e, em suas bases, só funcionam na eleição, para cumprir o ritual da lei.

Os exemplos estão aí. E sem grandes partidos, jamais teremos grandes lideranças. Como esperar grandes partidos ou grandes lideranças no país do PT, do PSDB, do PMDB e do PFL, velhos mercadores de votos? Eis o que quero dizer: -- não há democracia forte sem partidos políticos fortes.

DISSABORES

Podendo, não passe adiante seus dissabores, seus problemas íntimos. É da natureza humana certo comprazimento nos abatimentos da felicidade alheia, mesmo quando comparte nosso dissabor. Tenho um velho conhecido que guarda a um canto da boca um risozinho lateral para as amarguras dos amigos. E é bom sujeito, sempre prestativo.

Mas isso não o impede de ter ainda um resto de riso invencível quando nos bate nas costas, solidário:

-- Conte comigo!

CAMILO

Camilo Castelo Branco, isolado em São Miguel de Seide, ora a ler, ora a escrever, resumiu assim sua independência de escritor, no fecho de uma carta a Trindade Coelho, com a data de 16 de outubro de 1883:

-- O meu nome é conhecido nas livrarias. Nas secretarias, não.”

Escritor sofrido, ameaçado de cegueira, desgostoso com um filho maluco, Camilo se matou, com um tiro na cabeça, em 1º de junho de 1890, em São Miguel de Seide. Tinha 65 anos. Seu trabalho mais conhecido é Amor de Perdição.

DIPLOMATA

O verdadeiro diplomata é o sujeito que sempre se lembra do aniversário de sua mulher, mas nunca de sua idade.

MENTIRAS

Mercadante foi se queixar ao editor de um jornal: “Os senhores estão dizendo mentiras a meu respeito, e sabem disso.” O editor coçou a barba (os editores costumam usar barba) e observou:

-- O senhor não tem motivo para queixas. Que iria fazer, no mundo, se contássemos todas as verdades que temos a seu respeito?”

Mercadante coçou o bigode e sumiu, em silêncio.

CHATICE

-- Se você não tivesse essa profissão, qual a que gostaria de ter?
-- Nenhuma. Toda profissão implica trabalho e todo trabalho é chato.

SUAR

Chego ao consultório para o exame rotineiro e reclamo do calor que me empapou de suor. Confessei ao médico que, depois do quiabo, o que mais detesto é suar. Foi quando ele me ensinou:

-- Pois está errado. Saiba que a pessoa começa a morrer quando deixa de suar.

Até então eu ignorava por completo que a Morte não gosta de pessoas suadas.

FOME


Gilberto Freyre conta, em um de seus artigos, que “Casa grande & senzala” foi escrita num dos piores momentos de sua vida, exilado em Portugal e morando em casa de estudantes. Quando voltou a Recife, hospedado na casa de um irmão, passou dias de grandes necessidades.

Até fome passou, o grande sociólogo.

TEMPO

Lembram deste soneto? Chama-se Conta do Tempo. O autor é Frei Antônio das Chagas (1631-1682). Antes de se tornar frei franciscano, chamava-se Antônio da Fonseca Soares. O nome dele está ligado ao Morro do Castelo, no Rio, onde ajudou a construir o Convento Santo Antônio.

Informações para os arquivos do leitor.




Eis a íntegra:


Deus pede estrita conta do meu tempo

E, eu vou do meu tempo, dar-lhe conta,

Mas, como dar, sem tempo, tanta conta,

Eu que gastei, sem conta, tanto tempo?

Para dar minha conta feita a tempo,

O tempo me foi dado e não fiz conta,

Não quis, sobrando tempo, fazer conta,

Hoje quero acertar conta e não há tempo.

O!... Vós que tendes tempo, sem ter conta,

Não gasteis vosso tempo em passatempo,

Cuidai enquanto é tempo, em vossa conta.

Pois, aqueles que sem conta, gastam tempo,

Quando o tempo chegar de prestar conta,

Chorarão como eu, o não ter tempo.