sábado, julho 19, 2008

NOS TEMPOS DO BOM JORNALISMO


A profissão era sacerdócio puro. Grandes talentos. Devoradores de livros. Tive um colega na Fundação Getúlio Vargas e no Jornal do Brasil, Lucídio Mendes, gaúcho, morreu na queda de um helicóptero, aos 31 anos, quando o aparelho bateu num fio elétrico e explodiu,nas proximidades do município de Pedro da Aldeia. Num final de semana, ele e mais três amigos iam pescar. Ninguém sobreviveu.

Lucídio lia um livro a cada dois dias, e com ele aprendi muita coisa, sobretudo literatura universal. Vivia questionando coisas. Não admitia, por exemplo, o nome de aeroporto em pistas de pouso e decolagem de aviões em terra firme. Mesmo com o prefixo “aero”, a palavra porto, para ele, estava vinculada direta e tradicionalmente a mar e navio.

A ninguém ocorria lembrar-lhe que os primeiros postos de embarque e abastecimento de aviões eram exatamente portos os aeroportos flutuantes que boiavam sobre as ondas, à espera desses aparelhos que, antes de ser anfíbios como os célebres Catalinas, eram somente aquáticos, com botes para amerrissagem, em vez de trens de aterrissagem.

Lucídio foi um dos últimos representantes de uma terrível geração de polemistas. Um dos poucos que brandiam a pena. O curioso é que, nessa época, enquanto os polemistas profligavam nas folhas impetuosas, o rádio se comprazia em aceitar o establishment.

O irmão de Lucídio, Bernardo, arquiteto (mora hoje em Londres), era um locutor de voz belíssima. Peitava o Luiz Jatobá, o Gontijo Teodoro, o Eron Domingues. Era gongórico excelso até no registro de um aniversário de criança: “Deflui hoje a data genetlíaca do robusto pimpolho...”

Recordo tudo isso, com enorme saudade, porque estou a ver dois retratos em que apareço ao lado dos irmãos Mendes, formidáveis talentos de Alegrete, terra do saudoso poeta Mário Quintana. Retratos tirados bem em frente ao antigo prédio do Jornal do Brasil, na avenida Rio Branco, onde trabalhávamos, eu como ilustre foca da redação, magricela, pau-de-arara procedente das margens do Parnaíba, “o velho monge de barbas brancas”, como no soneto imortal de Da Costa e Silva.