A MORTE DO TREMA
Logo que se anunciou a mais recente reforma ortográfica – a última é de 1971 – para enxugar o idioma de pingos e respingos supérfluos, fui dos que ficaram apreensivos à expectativa de eliminação do trema e de mais 0,5% das palavras. No caso do trema, no fundo, no fundo, trata-se de um sinal que não faz muita falta a palavra alguma, mas que, como se dizia pratrasmente, é chique.
O trema é classe A, poucos escritores têm padrão nobre e poder aquisitivo suficientes para usá-lo. Não é encontrado em palavras vulgares, jamais adornou uma expressão de gíria, seria infame acusá-lo de conluio com os termos chulos. Mais: o emprego do trema tem conotações psicológicas; dá uma vaga ilusão de superioridade a quem o usa. Não é que o trema seja inacessível; é que ele denuncia bom gosto. Embora antigo, não tem ar de obsoleto e, apesar das origens, não se tornou anacrônico.
Bom, deixo o Lago e o alfaiate de lado para dizer que sempre usei o trema com uma tranqüilidade que, às vezes, me falta quando lido com a crase. A crase é traiçoeira. É preciso privar muito de sua intimidade para não cometer indiscrição. O trema tem algo em comum com o hífen: em determinadas circunstâncias eles são apenas um estado de espírito. Mas agora só a partir de 1º de janeiro, quando a reforma passa a vigorar, voltarei a ela. Até lá, usando o trema, espero não cair na malha fina da Receita.