sábado, outubro 04, 2008

A MORTE DO TREMA


Logo que se anunciou a mais recente reforma ortográfica – a última é de 1971 – para enxugar o idioma de pingos e respingos supérfluos, fui dos que ficaram apreensivos à expectativa de eliminação do trema e de mais 0,5% das palavras. No caso do trema, no fundo, no fundo, trata-se de um sinal que não faz muita falta a palavra alguma, mas que, como se dizia pratrasmente, é chique.


O trema é classe A, poucos escritores têm padrão nobre e poder aquisitivo suficientes para usá-lo. Não é encontrado em palavras vulgares, jamais adornou uma expressão de gíria, seria infame acusá-lo de conluio com os termos chulos. Mais: o emprego do trema tem conotações psicológicas; dá uma vaga ilusão de superioridade a quem o usa. Não é que o trema seja inacessível; é que ele denuncia bom gosto. Embora antigo, não tem ar de obsoleto e, apesar das origens, não se tornou anacrônico.

Conta o saudoso Lago Burnett, no seu livro “A Língua Envergonhada” (pg. 101) que uma vez pagou seu alfaiate com um cheque de cinqüenta cruzeiros, escrevendo a quantia por extenso. O alfaiate apertou-lhe a mão, abraçou-o comovido, com um olhar que se desmanchava em gratidão. Lago não entendeu nada, mas o alfaiate lhe deu a medida de sua importância:

-- Parabéns, Dr. Faz muito tempo que eu não via uma pessoa distinta com o o Sr., uma pessoa capaz de usar o trema. Isto é que é cinqüenta!

Bom, deixo o Lago e o alfaiate de lado para dizer que sempre usei o trema com uma tranqüilidade que, às vezes, me falta quando lido com a crase. A crase é traiçoeira. É preciso privar muito de sua intimidade para não cometer indiscrição. O trema tem algo em comum com o hífen: em determinadas circunstâncias eles são apenas um estado de espírito. Mas agora só a partir de 1º de janeiro, quando a reforma passa a vigorar, voltarei a ela. Até lá, usando o trema, espero não cair na malha fina da Receita.

PERISCÓPIO

***** Posto o meu obsessivo convívio com Machado de Assis, jamais consegui imaginá-lo fazendo sexo com Carolina. Acho que os dois eram superiores demais para chegarem a esse tipo de bobagem.

***** Quando Ruy afirmava que as pequenas nações tinham o direito de se entender com as grandes, o chamaram de idiota e até mesmo de burro. Hoje em dia, seu ponto de vista acabou prevalecendo.

***** Pode ser que a crise mundial leve nossos capitalistas, que mantêm hoje o dinheiro em especulação ou no exterior, a aplicá-lo produtivamente. O país está cheio deles.


***** Com a violência que temos aí, em toda parte, a humanidade vive um tempo de atrocidades inauditas. Estamos diante da maior câmara de horrores da história, sugerindo o fim do humanismo.


***** Luizianne pegou corda para 2010. Isso quer dizer que daqui a dois anos ela pode ir para o Iracema e Tim Gomes para o Palácio do Bispo.


***** A melhor definição do sono está no coleguinha Shakes, numa fala de Macbeth: “É a morte diária da vida.” Com direito ao sonho ou ao pesadelo, diga-se logo.