domingo, fevereiro 11, 2007

SEPARAÇÃO


Ela me diz, numa fala consternada, baixando os olhos: -- “Me separei de meu marido”. E logo depois, muito bonita, erguendo os olhos resolutos: -- “A culpa foi minha, não vou negar. Antes que alguém falasse ao Laurentino, para me intrigar, contei-lhe tudo”. E pôs-se a rir: -- “Minha vida é mesmo um romance, não sou mulher de um homem só.”

Quem se pôs a rir depois foi eu, e caí fora.

SOMBRA

Conselho de Novalis, que incorporei no caderno de minhas lições de vida: “Quando vires um gigante, olha para a posição do sol e repara se o gigante que estás vendo não é apenas a sombra de um anão.”

REDONDILHA


Em carta a Diogo Themudo, queixou-se o padre Antônio Vieira do silêncio dos seus interlocutores: “A algum dos que têm lugar junto à pessoa de Sua Majestade, escrevi, e de nenhum tive resposta.”

Mais explícito foi o maranhense Vespasiano Ramos. Em situação análoga, mandou ele um cartão-postal com esta redondilha:

Se não mereceu resposta

O bilhete que te fiz,

Esfrega o dedo na bosta

E depois coça o nariz.

DESFORRA

Para os espíritos prevenidos, que só nos lêem à cata de nossos defeitos, conheço um apólogo apropriado, que desforra escritores e jornalistas pela boca de uma ovelha.

Um cão, entrando no redil, pôs-se a cheirar as ovelhas. Cheirava-as, e dizia, com nojo:

-- Cheira mal. Cheira mal.

Até que uma dessas ovelhas lhe explicou:

-- Como queres que cheiremos bem, se só nos cheiras no rabo?

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

MÉDIA

Os economistas dizem que a palavra média pode provocar grandes confusões, particularmente quando usada por um estatístico. Vamos a um exemplo – se um homem ficar com um pé num fogão quente e com o outro num congelador, o estatístico dirá que, em média, ele está numa situação confortável...

LÍNGUA

A língua diz todos os dias aos demais órgãos do corpo: “Como estais, companheiros?” E eles respondem: Vamos indo muito bem sem ti.” Na verdade, sempre tive medo da língua humana. Existem as que cortam mais do que um alfanje e são mais venenosas que a cascavel.

DINHEIRO

Ainda morro de pena do pobre homem da Mega-Sena. Ele nos deu o triste exemplo de que com dinheiro podemos comprar muita coisa, mas nada do que há de essencial para nós. Pode comprar comida, mas não apetite; remédios, mas não saúde; conhecidos, mas não amigos; criados, mas não servidores leais; mulheres, mas não o amor verdadeiro; dias alegres, mas não felicidade ou paz.

Ao contrário, Deus às vezes castiga o homem, dando-lhe dinheiro.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

VELHICE

Não lembro quem definiu as três fases da vida humana nestas três indagações, a que deu as respostas adequadas -- que é preciso, aos 20, para ser feliz? Um raio de esperança. Aos 40? Um raio de glória. Aos 60? Um raio de sol. Hoje em dia, se falarmos em raio de sol, próprio para a velhice, a quem chegou aos 60 anos, correremos o risco de que nos mandem para o raio que o parta.

E com razão. Sessenta anos, agora não são ainda a ancianidade. Quando muito, a preparação para ela, com a floração dos netos à nossa volta. Ainda é o subúrbio para quem vai entrar na cidade. Mas é o diabo. Os antigos gregos diziam haver três sexos – o sexo masculino, o sexo feminino e o sexagenário. Fazer o quê?

PARLAMENTO


O parlamento brasileiro atravessa uma fase de graves problemas de prestígio. Segundo uma pesquisa da revista Veja, sobre o que o povo pensa de seus parlamentares, a grande maioria venceu como “desonestos, insensíveis, mentirosos...” Acabamos de ver o rolo compressor, inédito e circense, para a eleição da nova mesa diretora das duas Casas. A cara do Brasil, um retrato dos brasileiros ali representados desde o reles pivete ao pós-graduação em safadeza.

O eleitor, pobre autoflagelado, nem esta aí...

CINISMO


Quando Lula afirma que na Previdência Social não há deficit – “nunca houve!” – diante de um rombo de R$ 40 e tantos bilhões, de duas, uma: ou ele está brincando de governar, ou é mesmo portador de dolorosa incompetência. É espantosa sua explicação quando se refere a quem pagou e recebe benefício e a quem não pagou e também recebe.

LEI DA TÁBUA


Conhecido meu me pára na rua e começa a conversar. Chama-se Moisés, não sei se em homenagem ao homem do Decálogo. Provavelmente não. Isso é coisa de madrinha ou tia vitalina. Bota Moisés, e aí botam. Então eu imaginei se o verdadeiro Moisés voltasse hoje por este planeta, ia ver que pouco ou quase nada mudou desde aquele dia em que, no auge da cólera, espatifou a Lei da Tábua, que não era, pelo visto, madeira de lei.

Da falta de fé à falta d´agua, a humanidade continua enfrentando os mesmos problemas. O homem mata, furta, cobiça, difama, seduz, mente, corrompe, corrompe-se e, em matéria de mulher, não faz opção entre a do próximo ou a do longínquo para exercer a paquera. Os Dez Mandamentos passaram a ter tanta eficácia quanto os manuais de felicidade em lições práticas.

TOQUE OUTRA VEZ, SAM


Ando preocupado. Deve ser a liseira geral. Assim como nem Ingrid Bergman (a bela Ingrid, para mim o rosto incomparável do cinema) nem muito menos Hamphrey Bogart jamais disseram “Toque outra vez, Sam” (Sam é Dooley Wilson, que canta a inesquecível As Time Goes By, nada impedindo que a frase se transformasse na mais famosa do filme Casablanca, é provável que esta cena com John Wayne jamais tenha existido, o que não a impede de ser uma típica cena do velho Wayne.

Ele vem cavalgando por uma planície do Oeste à frente de uma fileira de carroções. São colonos da fronteira bravia, e ele, que conhece a região como ninguém, lidera a caravana. Um dos colonos cavalga a seu lado. “Estou preocupado com esses índios...”, confidencia Wayne. O colono olha em volta. “Índios? Não estou vendo nenhum índio”. E Wayne: “Isso é o que me preocupa”.

Usando o mesmo raciocínio de Wayne, que nos ensinou tanta coisa para enfrentar a vida, os brasileiros devem estar preocupados com as índios do Pac, o que pretendem, o que vão fazer. Paquem outra vez, gente. Paquem.