domingo, fevereiro 22, 2009

Quem Nos Tira a Imortalidade


Esta é uma vida de maluco. Tempo, que é bom, não nos resta para mais nada por inteiro. Ocupação, quem procura, acha. Eu não sei ficar parado, preciso sempre estar fazendo alguma coisa para o espírito, puxando pelos neurônios, antes que se recolham. A leitura também é fragmentada e a música fica tocando aqui do lado, sem sensibilizar muito por falta de ouvidos atentos. É difícil ler do início ao fim. Passam-se os olhos, lê-se em diagonal para saber do que se trata. Ando lendo muito picado.


Desde que começaram a ser publicados pela Companhia das Letras, tenho sempre algum livro de Nélson Rodrigues na cabeceira (há alguns da Manchete e de outras editoras). Ele faz parte da minha obsessão por determinados autores. Sobre Nélson, não há leitura mais compatível com o tempo restrito e a toda hora interrompido. O tom coloquial e o obsessivo retorno aos temas e às personagens tornam irrelevante onde paramos e onde retomamos a leitura.


Basta abrir uma página ao acaso para logo estarmos imersos no universo rodriguiano, o Brasil e o mundo dos anos 60 e 70 vivamente reconstituídos. Mas vou deixar Nélson por um momento. No início da semana, a Folha trouxe um artigo do Lima Hugor. Tendo feito várias viagens ao Oriente Médio, Lima observa que, ao retornar, ninguém quis saber do que ele sabia, do que ele viu, do que mais o impressionou. Ninguém quer ouvir falar de sofrimento, horror e humilhação.


Como explicar essa enorme indiferença e a falta de solidariedade com as vítimas de crimes históricos aterradores? Por que essas atrocidades não despertam a indignação e a solidariedade dos intelectuais como despertou a Guerra Civil espanhola dos anos 30? O próprio Hugor responde: não estamos mais nos anos 30 nem nos anos 60; já vivemos o século XXI. Sem a identificação do fascismo e do imperialismo com o Mal, já não há um esquema simples para nortear o pensamento e a ação. Se os intelectuais dos anos 30 e 60 revelaram-se crédulos e ingênuos, os intelectuais de hoje são sombriamente despolitizados e cínicos.


A própria noção de solidariedade internacional sofreu um declínio vertiginoso O mundo cada vez mais interligado sofre de um paroquialismo paradoxal. O capitalismo consumista é de tal forma vitorioso que houve um descrédito da política. Só a vida privada importa. Na era das compras massificadas, os intelectuais, que são tudo menos pobres e marginalizados, têm dificuldade de se identificarem com os menos afortunados. Voltemos a Nélson Rodrigues. Crítico implacável das esquerdas, Nélson usou como ninguém seu extraordinário talento para ridicularizar os modismos da época. Quarenta anos depois, as confissões de Nélson nos parecem pérolas de humor e clarividência.


O paroquialismo de Nélson foi maravilhosamente sintetizado por ele mesmo ao dizer que assim que entrava na Via Dutra batia-lhe uma saudade insuportável do Brasil. Anticomunista e paroquial, Nélson poderia ser identificado com o intelectual moderno de Hugor. Nada mais equivocado. Segundo Nélson, falta a Marx a dimensão da morte. E nada mais distante desse formidável dramaturgo do que o cinismo intelectual do século XXI. Se já não é o comunismo que nos tira a imortalidade da alma, desconfio que, vivo, Nelson hoje se juntaria ao amigo para reclamar do capitalismo consumista.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

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"QUEM NOS DÁ A IMORTALIDADE"

Vocês pensavam que eu tinha desistido. Não... Não desisti. Esta é uma vida de Mira y López, mas eu não nasci pra Kamikaze. Assim, vou me ocupando em encher os neurônios dos outros, me ocupando em alguma coisa para não ficar parado. E quem procura acha, alonga as idéias. Minha leitura está difícil, também pudera, essa maldita catarata está atrapalhando minha leitura. Vejo tudo em espiral. Difícil ler sem ficar tonto. A música brega do meu vizinho já não me perturba mais, pelo acúmulo de cerume nos meus ouvidos, antes atentos.

Mas, falando em Sartre, lembro-me quando meu velho amigo aqui esteve, em Fortaleza, pelos idos de 1960. Em cima de um birô, da livraria Feira do Livro, pronunciou um belo discurso, ao lado de Simone de Beauvoir. Depois, nós saímos da livraria e fomos conversar. O autor de O SER E O NADA fez questão de me falar sobre a imortalidade, ao me dizer que vivemos numa situação de condenados a morte, em meio a tantos outros condenados. Ficamos angustiados, então, por que não sabemos o dia da nossa execução, mas todos os dias vemos nossos amigos serem executados. Só que nós nos preparamos corajosamente, pomos todo nosso empenho para na hora H, fazermos uma bela figura.

Vamos deixar o Sartre de lado. O Tião Belarmino, repórter de um jornal do subúrbio de Fortaleza, fez uma viagem à Tauá e lá viu a maior miséria. A região continua pobre e o povo morrendo de fome. Solidariedade que é bom, às vítimas da seca, falta. Nem políticos, nem jornalistas estão preocupados com a miséria humana. Na seca do ano quinze houve mais solidariedade que nas secas modernas. As Paróquias interioranas nada fazem para denunciar a calamidade que estão a passar nossos matutos. O povo está desacreditado.

Falando em imortalidade, o Agostinho, já tinha dito que “ Anima cum sedes sit veritatis, immortalis est, sicut et ipsa veritas. Omne quod in subiecto est, si semper menet, ipsum etiam subiectum maneat semper necesse est. Et omnis in subiecto est omnino disciplina. Necesse est igitur semper ut animus meneat, si semper Manet disciplina. Est autem disciplina veritas, ET semper varitas manet. Semper autem animus manet, Nec animus mortuus dicitur."

Ora, eu jamais poderia concordar com o autor de “Solilóquio”, pois discordo que o conhecimento intelectual é sinal de espiritualidade, já que os intelectuais de hoje estão, cada vez mais, egoístas e narcisistas. E nem concordo que a alma dure para sempre, caso a ciência dure para sempre.

Voltando ao Tião. Eu não sei, mas desconfio que ele sabiamente chegou à conclusão que os sertanejos, que sofrem com o flagelo da seca, pensam tal e qual o Agostinho, acreditando na imortalidade da alma. Apesar da fome e do sofrimento, o matuto ainda é mais alegre do que o sisudo intelectual da cidade. Certamente, no matuto, habita dentro de si a crença na imortalidade da alma.
Agostinho, vivo, modificaria seu “Solilóquio” e se juntaria ao Tião para um diálogo.

(PS – O endereço do nosso blog: HTTP://hpassos.blogspot.com)

8:03 AM  

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