sábado, fevereiro 28, 2009

PERISCÓPIO

***** Era uma vez o casamento indissolúvel. Tudo hoje é solúvel, do café aos cálculos renais. E às vezes é até dissoluto. Eu acho engraçado quando o jornal escreve na legenda “fulana de tal e seu atual marido.” O adjetivo cabe, sim. E já convém dizer também atual filho. E atual neto. Nunca se sabe o dia de amanhã.


***** Outro dia, num velório, as pessoas riam, tomavam café, mastigavam salgadinhos. Eu me pergunto: por que rir num velório, diante de um defunto impecavelmente silencioso, quieto, sisudo? E era um rir sem conta. Imaginem só: de um velório! Não me contive e também comecei a rir.


***** Ganhei uns CDs de João Gilberto. Não vejo graça e não consigo suportar esse artista. Tem gente, e muita, impressionadíssima com ele. Não é um joão-ninguém. É alguém. Um gênio, de ouvido absoluto, Um fio de voz, que até os anjos ouvem em silêncio. Menos eu. Impressionam-me, sim, Orlando Silva, Chico, Sílvio, Nélson. Até a Araci de Almeida. Essa turma das nossas saudades. As de hoje, faz gosto ouvir Joana, Simone, Maria Rita, Preta Gil, para ficar por aqui. Lindas vozes.


***** Falar em música, se me perguntarem a que mais admiro do repertório de Luiz Gonzaga é a valsa-choro Légua Tirana, que ele fez com letra belíssima de Humberto Teixeira, seu maior parceiro (Gonzagão nunca fez letras, só músicas). Cito, entre tantas belezas, Vozes da Seca, de Zé Dantas, o segundo maior parceiro. Zé Dantas, médico, morreu jovem, vítima de um câncer. Era sobrinho de João Dantas, o jornalista que matou João Pessoa.


***** De tantas memórias, bem que podia agora proclamar a escravidão, como diria o Stanislaw Ponte Preta, no Samba do crioulo doido. Assim se completa essa volta ao passado, um segundo coração que bate dentro de todos nós.


***** Uma das filosofias de pára-choque de que mais acho engraçada é esta: -- Velho não tem amor; velho tem é veneta. E olha que estou no subúrbio da velhice...

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

BLOGO.ÉS.FERA
___________________________________

Eu sou um faz-tudo, não sou nada. Um insignificante pesquisador de freguesia que colaborou em inúmeros livros para que seus autores colocassem seus nomes, que ninguém leu e todos detestaram. Como bloguista, nunca ganhei um único prêmio, perdi minha saúde em noites em claro,para encher de fama ao dono do blog. Em resumo, muito sumo. É só o começo.
___________________________________

***** O senador Nelson Carneiro foi o grande arauto da dissolubilidade do casamento. Modificou até o que estava na Bíblia. Estamos no mundo dos EXs. Exemplo: ex-marido, ex-amante, ex-presidente, ex-deputado. Até em biografias EXs são exaltados. Eu sou ex-fumante, mas conheço ex-traído, ex-prostituta, ex-gay. É grande a inconsistência e precarização do ser humano. Agora, pode ter certeza, todo EX, é uma possibilidade de retorno ao seu estado natural.

***** Cômico, os de hoje, assim como os de outrora. Nos velórios antigos existiam a presença dos “Gatos Pingados”. Homens contratados para levar o defunto até o cemitério. Longas casacas pretas, calças de listras vermelhas e cartolas altas dobradas nas pontas, mãos enluvadas. Levavam o caixão apoiado nos ombros, a pé, ritmo compassado. Assim como ontem, hoje os velórios são cômicos.

***** Nunca ganhei CDs de presente. Gostaria de ganhar uns de João Gilberto. Não vejo graça, mas gosto das músicas cantadas pelo artista. Tem gente que não gosta dele, espero que me presenteie com os CDs. Gosto do Carlos José, Dick Farney, Emílio Santiago, Noite Ilustrada.

***** Quando ouço falar em Luiz Gonzaga, logo me vem à lembrança o nome de Marinês (Inês Caetano de Oliveira). Cantora de forró, baião e xaxado. Iniciou a carreira na banda Patrulha de Choque do Rei do Baião, que formou com o marido Abdias e o zabumbeiro Cacau para se apresentar na abertura dos shows de Luiz Gonzaga.

***** Um dia, determinado Sociólogo da terrinha, decretou: “Lembrar o passado é fraqueza, devemos sentir saudade do futuro”. Quanta incongruência: como irei sentir saudade dos meus 90 anos se ainda estou com 70 anos. Invenção da sociologia moderna, a saudade do futuro. O coração que bate dentro de nós, no futuro, pode não bater mais.

***** Uma das filosofias de pára-choque de que mais acho realista é esta: -- Velho não se senta sem “UI” nem se levanta sem “AI”. E olha que já estou na velhice...

9:18 AM  

Postar um comentário

<< Home