sábado, março 22, 2008

AOS QUE SE FORAM


Uma das coisas que me doem é o grande número de amigos que morreram e que deviam ainda estar aqui entre nós, a ajudar com sua experiência, o talento, a contemporaneidade, o companheirismo, o desejo permanente de alcançar a luz do túnel. Nunca mais terei como revê-los. Todos estão no imperturbável silêncio para sempre que cala a boca dos que se foram para o país indescoberto, para o indevassável país que a todos nos espera, neste exílio universalmente inevitável, ou nessa paz insubornável que a todos nos iguala.

A vida distribui-se com clamorosas injustiças. É como a renda. Mas a morte tem o agudo perfil da justiça para todos. Eis, porém, que encobre desígnios indecifráveis, segundo um calendário que escapa à nossa razão e sobretudo às razões do nosso coração. Como agüentar a ausência de tanta gente boa que foi embora? Desfrutando de uma memória que ainda não foi atropelada pelos grotescos esbarrões da esclerose, posso reconstituir vários dos amigos que foram e não voltam nunca mais (alguns já foram tarde).

À parte deformações sempre bem-vindas que se produzam nos porões de nossa emoção, a memória afetiva jamais se engana. Pois é à memória afetiva que me fala a presença dessa palmeira de gentis-homens que para mim ultrapassaram os limites protocolares do cartão de visita ou da impostura do curriculum vitae. Quanto aos amigos graças a Deus ainda vivos, não tive dificuldades para encontrar muitos deles que têm a extensão e a profundidade, a abertura e a inquietação que caracterizam a nossa atividade de escribas, a única que não tem chefe.