SEM CHEFIA
Certa vez, passando por um cemitério, Valle Inclán notou que, ao redor do Campo Santo, estavam levantando uma grade. Procurou o encarregado das obras: -- “Não insista com a tolice dessa grade. Os que estão dentro não pensam em sair, e os que estão fora não pensam em entrar”.
De todas as altas figuras que se notabilizaram na Espanha no fim do século passado e no começo do século que findou há pouco, constituindo a chamada geração de 1898 e a que pertenceram Baroja, Unamuno, Azorin e Benavende, Valle Inclán é o estilista por excelência, com o gosto da frase cantante e harmoniosa.
No entanto, na urdidura de “Tirano Banderas” que um amigo me trouxe de presente, em velha edição traduzida em bom português, Valle Inclán vai adiante, na linha da narrativa, ao desdobrá-la com o claro sentimento de uma denúncia de ordem política. Mas, mesmo aí, ele não se despojou da frase intencionalmente sonora, com que deu forma às suas Sonatas e criou a conciliação de Dom João com o Dom Quixote, na figura inesquecível do Marquês de Brandomin.
Interpelado de público por um jornalista, sobre a razão por que se fizera escritor, Valle Inclán ergueu mais a cabeça orgulhosa, para dizer ser essa a única profissão sem chefe, e ajustada, portanto, à sua personalidade independente. E, a propósito, já que não nasci um vagalume, como reclamava Machado, por que não nasci eu um escritor?
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